sábado, 25 de janeiro de 2020

A ARTE DE TIRAR CORTIÇA


A história contada por Helena Tecedeiro no DN, “A arte de tirar cortiça do tio Zé” é muito bonita, fora da agenda feia dos dias que correm. Acontece que as histórias são como as cerejas e que, como um dia cada um de vós descobrirá, uma das vantagens de ser velho é ter histórias para contar.
Assim, uma história também sobre a arte de tirar cortiça e passada, ou melhor, começada em 2015.
O Mestre Zé Marrafa de quem aqui já vos tenho falado tem feito ao longo destes quase 30 anos um trabalho persistente e empenhado no sentido de me tornar um Alentejano, um Alentejano de cá, do Alentejo, e não um Alentejano de lá, que vem ao Alentejo de tempo em tempo. É verdade que eu me esforço, quando a gente gosta a gente aprende melhor.
Um dia de Julho desse ano quando chegou cedinho ao Monte tirou da caixa que equipa todas as motoretas da gente que vive fora da cidade uma machada cuidadosamente protegida por uma peça em cabedal.
Depois da salvação, disse-me que íamos tirar cortiça, estava na altura de aprender o este era o tempo de tirar cortiça.
Fiquei preocupado e contente. Preocupado porque sabia e sei que não é uma tarefa fácil, contente porque tirar cortiça, de acordo com o que tenho ouvido e conta o Mestre Zé, está no topo das tarefas mais difíceis, os bons tiradores de cortiça, já poucos diz ele, são bem pagos e são artistas, aproveitam muito bem a cortiça, não estragam os sobreiros e fazem-no depressa, seja a trabalhar no chão, seja em cima de um sobreiro o que torna tudo mais complicado.
Bom, vamos tirar cortiça Mestre Zé, seja o que Deus quiser.
Prepara a machada com um toque de uma pedra especial para afiar, o fio de machada corticeira corta pêlos com uma lâmina de barbear. Enquanto a afiava foi dizendo que são caras, falou-me em 180 € por uma de boa qualidade e não se emprestam, apenas são usadas pelo dono. Como as canetas de tinta permanente, pensei eu que sempre que resisto quando me pedem para usar a minha.
Era a primeira vez que se ia tirar cortiça neste sobreiro, o maior que temos cá no Monte. O Mestre Zé decide a altura do corte com uma explicação que não me recordo e começa na lida. Cortes certeiros a seguir os relevos da cortiça e com o cabo da machada, talhado em cunha, faz com que a cortiça de desligue da árvore.
Entretanto pára, olhou para mim com os olhos pretos pequenos a rirem-se num jeito que lhe é habitual e disse-me, "Só vamos voltar a tirar cortiça a este sobreiro daqui a nove anos, quer experimentar já ou espera? Se calhar é melhor experimentar, olhe que daqui a nove anos não sei se ainda tiro cortiça."
E pronto, atento à explicação empenho-me nesta nova função, a arte de "tirador de cortiça".
Poupo-vos ao resultado embaraçante da dificuldade e da falta de treino, os sítios da cortiça onde devia fazer o corte pareciam desviar-se só para eu não acertar. Mal conseguia fazer a cortiça desligar-se da árvore e para piorar a coisa, fiz um "santo". Eu explico, bati com força de mais com a machada pelo que não estava a arrancar só a cortiça mas a outra camada seguinte da árvore. Não sou pessoa de corar, com a minha cor nem se nota, mas ... mau trabalho.
Entretanto, felizmente, o Mestre Zé acabou a tarefa, ficou assim:


Como só voltamos a tirar a cortiça passados nove anos combinei com o Mestre Zé que dessa vez seria eu que a tiraria e depois sentávamo-nos os dois debaixo do sobreiro a beber umas cervejas.
Só não sei muito bem como irei treinar para aprender. 
O mais certo é não chegar a ser "tirador de cortiça" e nunca conseguir tirar uns "cortiços perfeitos" como os do Mestre Zé, um Homem também com a arte do Tio Zé da Helena Tecedeiro.
Bom, a verdade é que já estou a ver o Mestre Zé rir-se e a pensar para dentro, "Ainda não é um Alentejano de cá, não sabe tirar cortiça".
Mas em 2024 dir-vos-ei como correu.

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