Continuam na ordem do dia os episódios de agressão a médicos
e outros profissionais da área da saúde. De acordo com dados do Ministério da
Saúde, nos primeiros nove meses de 2019, foram agredidos 995 médicos,
enfermeiros ou assistentes operacionais.
Como acontece em situações da mesma natureza envolvendo
outras classes profissionais, professores por exemplo, é possível que se verifiquem
episódios não reportados pelo que a questão é ainda mais preocupante.
As dificuldades genéricas das pessoas, os contextos funcionais e a qualidade percebida ou sentida na resposta dos serviços estarão associadas aos comportamentos. No entanto, sem minimizar estas variáveis, designadamente no que respeita aos serviços de saúde,
parece-me também pertinente reflectir numa outra perspectiva.
Em primeiro lugar sublinhar que os profissionais da saúde
não são os únicos destinatários de emergentes e regulares comportamentos de
agressividade física ou verbal. Grupos profissionais como os professores que já
referi, mas também forças policiais são recorrentemente vítimas deste tipo de
comportamentos.
Por outro lado, é minha convicção que vale a pena considerar
dois aspectos que julgo essenciais, a mudança na percepção social dos traços de
autoridade e o sentimento de impunidade, que me parecem fortemente ligados a
estes fenómenos.
Uma observação minimamente atenta às mudanças sociais,
culturais e económicas nas últimas décadas, permite, creio, constatar como tem
vindo a mudar significativamente a percepção social do que poderemos chamar de
traços de autoridade.
Os médicos e enfermeiros, entre outras profissões,
professores ou polícias por exemplo, eram percebidos, só pela sua condição
profissional, como fontes de autoridade, como também os velhos, curiosamente.
Tal processo alterou-se, a profissão ou a idade já não conferem “autoridade”
que regule a relação e iniba a utilização de comportamentos de agressão. Dito
de outra maneira, a identificação como médico ou enfermeiro, através da
"bata", polícia com a "farda" ou professor com o "peso
social" da função e da escola, já não são, por si sós, reguladores dos
comportamentos. Estas mudanças implicam uma reflexão profunda, pois sendo um
fenómeno ainda "novo", não poderemos recorrer unicamente às soluções
"velhas".
Quero sublinhar que este entendimento não tem rigorosamente
a ver com a ideia do "respeitinho" ou do medo e muito menos com dar
cobertura a "autoritarismo" e abusos de poder de quem quer que seja
sobre quem quer que seja.
O segundo aspecto que me parece de considerar remete para um
ambíguo e abrangente sentimento instalado em Portugal de que não acontece nada,
faça-se o que se fizer. Este sentimento que atravessa toda a nossa sociedade e
camadas sociais é devastador do ponto de vista de regulação dos comportamentos,
ou seja, podemos fazer qualquer coisa porque não acontece nada, a “grandes” e a
“pequenos”, mas sobretudo a "grandes", o que aumenta a percepção de
impunidade dos “pequenos”
Considerando este quadro, parece importante um trabalho no âmbito
da formação cívica no sistema educativo, dispositivos e recursos de apoio e na
formação de profissionais para a gestão e prevenção de situações de conflito,
bem como um discurso político e social consistente de valorização da
autoridade, não do autoritarismo.
Sabemos ou que a autoridade não é atribuída ou devolvida por
decreto. A autoridade assenta em competência, valorização, respeito, maturidade
cívica, solidez ética, etc.
Por outro lado, finalmente, é ainda fundamental que se
agilizem e sejam divulgados processos de punição e responsabilização séria dos
casos verificados o que contribuirá para combater a percepção de impunidade.
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