Gostei de ler o texto de João
Ruivo, “O que pensamos e o que fazemos”.
(…)
Porém, o "processo de
cretinização técnico-burocrático" do trabalho docente permanece, no
substancial, inalterável. Resultado: a lucidez demasiado disciplinar e
especializada conduz, invariavelmente, à cegueira no que respeita à apreciação
do global, do geral e da diferença.
Neste processo evolutivo, é certo
que a ciência substituiu a religião quanto à construção do discurso pedagógico.
Todavia, novas formas de misticismo afloraram sempre que, no terreno
institucional, se procedeu à aceitação dos poderes, aliados aos saberes, como
meios únicos de legitimação de uns e dos outros.
Para que a Escola entre numa via
de transformação positiva, revela-se essencial aceitar alguns desafios. Desde
logo, importa nivelar o estatuto da "pedagogia oficial" com o do
"conhecimento prático" dos docentes. Depois, exige-se o rápido
reconhecimento da maioridade dos profissionais do ensino. Reconhecimento que
propicie a conquista da autonomia para pensar o próprio pensamento, autonomia
para reflectir sobre o conhecimento elaborado, autonomia para construir novo
pensamento com base no conhecimento e na maturação da própria acção docente.
No fundo, encontramo-nos perante
um desafio, lançado aos "práticos", para que conquistem, dentro das
escolas, todas as possibilidades que lhes permitam a elaboração de
conhecimento, através do qual sustentem e teorizem essa mesma prática.
(…)
De facto, as mudanças rápidas e
significativas nas sociedades actuais têm também implicações na educação e nas escolas, na sua organização, autonomia e direcção, no
que ensinam (educam), como ensinam (educam), a quem ensinam (educam), como
avaliam, etc. etc.
Neste contexto de permanente movimento também se coloca a questão do desenvolvimento profissional dos
docentes.
Na sequência das mudanças
legislativas mais recentes designadamente no que se refere ao currículo e
flexibilidade curricular e do novo regime da educação inclusiva parece viver-se
mais um ciclo de formação desencadeado pela tutela e em assente, mais uma vez
na “inovação”, numa “nova escola” na “mudança de paradigma" e, obviamente,
no que isto exige de novas práticas e até, parecem pensar alguns, porque não novos professores. Bom,
mas aqui não há volta a dar, são os que temos e, portanto, toca a formar.
Por razões óbvias não me
pronuncio sobre a qualidade da imensa oferta disponível, não deixo, no entanto,
de me surpreender com o surgimento de tantos especialistas e na produção de
tantas e tão diversificadas ferramentas de criação de “novas práticas”, “novos
olhares”, “novas abordagens”, “novas …”.
Temo o risco de uma intoxicação
séria que complique e burocratize ainda mais o já instável clima escolar na
linha do que João Ruivo afirma.
Acresce que também fora do âmbito
das iniciativas do ME parte do que sido feito, apesar do excelente trabalho de
alguns centros de formação, escolas e mesmo municípios, parece ser de natureza
avulsa, dependente dos financiamentos e, sobretudo, associada ao “modismo”, ao
que parece estar na moda ou "promovida" no âmbito da “inovação” ou no
âmbito de uma “mudança de paradigma”, ou da criação de uma "nova
escola", etc.
Por outro lado, a forma como tem
vindo a ser considerado, ou não, o impacto da valorização profissional na
carreira dos docentes ou mesmo um movimento de “desprofissionalização”, também
contribui para algum trajecto errático neste contexto.
Devo afirmar que desde há muitos
anos colaboro em inúmeras iniciativas no âmbito da formação de professores em
diferentes formatos e duração pelo que me sinto envolvido directamente nesta
questão e certamente também comprometido com as questões que aqui coloco.
Acresce ainda que no que conheço
melhor, o universo da chamada educação inclusiva, e como já repetidamente
afirmei, temos o hábito de encharcar a legislação em doutrina quando deveria
centrar-se basicamente em princípios, procedimentos, recursos e regulação.
Assim, prolifera a oferta de pacotes de formação sobre o desenho universal da
aprendizagem, a abordagem multinível e outros modelos que, não passam disso
mesmo, modelos pelo que não deveriam estar na legislação. Se verificarmos nos
canais mais habitualmente usados para a sua divulgação, a oferta formativa,
organizada por problemáticas de alunos, por ferramentas didácticas, por modelos
ou programas de intervenção professores ou famílias, a oferta é inesgotável e
muitas vezes “vendida” como a solução. Parece-me claro que a dispersão e
quantidade da oferta, só por si, não é garante da sua qualidade.
A teoria, os conceitos, as
metodologias e didácticas fazem parte da formação inicial e entram na formação
contínua como ferramentas de resposta e de actualização da mesma aos problemas
e necessidades dos docentes que, naturalmente, vão sofrendo ajustamentos.
Voltando à minha experiência já
longa na formação de docentes, sinto que o que de mais estimulante e, desculpem
a imodéstia, mais positivo me pareceu, foi trabalhar com professores de uma
escola ou agrupamento durante algum tempo, um ano lectivo, a propósito de
algumas problemáticas emergentes da sua prática e reflectir sobre como tentar
lidar com ela, com o muito que já sabemos e é feito e com o muito que podemos
vir a experimentar, avaliar e saber.
Parece-me claramente necessária
uma reflexão global sobre o desenvolvimento profissional nos seus diferentes
aspectos.
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