É impossível que não aconteça, a cada 5 de Dezembro
lembro-me do meu Pai. Partiu há quarenta e quatro anos num dia de Sol e frio como o
de hoje.
Uma das muitas razões pelas quais o meu pai foi meu pai,
para além de ser um Homem Bom, foi pelo facto de contar imensas histórias,
quase sempre criadas no momento.
Não tínhamos televisão, líamos algumas obras que ele trazia
da biblioteca dos operários do Arsenal do Alfeite onde era serralheiro,
ouvíamos alguma rádio, mas lembro-me sobretudo das histórias, todos os dias
inventadas.
A memória destas histórias também se acendeu porque, em
quase todas, entrava um personagem que dava pelo nome de Arranja Moinhos, não
me perguntem porquê mas era esse o nome que o meu pai lhe dava e o meu pai
fazia sempre as coisas bem-feitas.
Era um super-homem o “Arranja Moinhos”, sempre que a
história entrava numa fase mais complicada, fosse qual fosse a situação ou as
dificuldades que os personagens enfrentassem, lá aparecia o Arranja Moinhos que
tudo resolvia, tudo tratava e a história, claro, acabava bem, para descanso dos
fascinados ouvidores eu, o meu primo e, muitas vezes, mais um ou outro miúdo da
vizinhança, naquele tempo havia mais miúdos e mais relações de vizinhança. Era
certo, de vez quando lá tínhamos outra aventura do Arranja Moinhos, complicada
e cheia de problemas, mas em que ele genial e cheio de saberes dava sempre a
volta e se saía a contento.
Pensei como nos tempos que correm, em que tudo parece estar
mal e sem conserto, daria jeito aparecer o Arranja Moinhos. Tenho a certeza que
ele havia de encontrar uma maneira de nos ajudar a sair dela. O meu pai dizia
que ele era capaz de resolver tudo.
E eu, eu continuo a acreditar no meu pai. É verdade, partiu
cedo, demasiado cedo, mas ainda a tempo de me mostrar o que nunca viu e lugares
onde nunca esteve.
Não conheceu os netos e, naturalmente, os bisnetos. Haveria
de ficar contente, eles também.
Entretanto, vou eu contando histórias aos meus netos,
algumas com o Arranja Moinhos, mas gostava que tivessem ouvido as dele e que
ele lhas pudesse contar.
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