O texto de Vítor Belanciano, “Reféns da sociedade da quantificação”, no Público coloca um conjunto de questões que
merecem reflexão.
“Vivemos em permanente medição,
quantificação e avaliação. Nada escapa. Coisas, pessoas, actividades ou
instituições. Obcecados com números, indicadores, pontuações, rankings, ratings
ou likes, já nem nos damos ao trabalho de pensar. O nosso espaço mental é uma
tabuada. Consumimos percentagens como se fossem ansiolíticos. Vivemos em
cálculo permanente. Desiste-se de elucidar, de reflectir ou persuadir.
Puxa-se, triunfante, do papel com
a estatística que mais nos serve e dispara-se números a toda a hora. Como se
isso, por si só, bastasse. Como se os números não resultassem de enquadramentos
ou contextos particulares e não pudessem ser alvo das mais diversas leituras.
Como se não fosse fácil manipular números, com leituras de causa e efeito entre
duas variáveis, quando o que existe tantas vezes é uma correlação entre
diversas variáveis, ou com ilustrações de tendências dominantes, quando tantas
vezes são as micro-tendências as mais reveladoras do que aí virá. (...)”.
Esta sobrevalorização dos dados
recorda-me o texto fundador de David Brooks, “The Philosophy of Data”, no The
New York Times em 2013.
“If you asked me to describe the
rising philosophy of the day, I’d say it is data-ism. We now have the ability
to gather huge amounts of data. This ability seems to carry with it certain
cultural assumptions — that everything that can be measured should be measured;
that data is a transparent and reliable lens that allows us to filter out
emotionalism and ideology; that data will help us do remarkable things — like
foretell the future. (…)
Como é evidente, não se trata de
desvalorizar o contributo essencial emergente dos dados e da sua análise em
múltiplas áreas científicas e/ou sociais. A questão é a desconsideração de um
outro conjunto de dimensões nem sempre passível de se “trancar” nos dados "medidos".
Recordo, por exemplo, o corrente equívoco em torno da avaliação escolar, medir permite
classificar e cumpre uma função, mas avaliar é bem mais do que medir e cumpre
uma outra dimensão indispensável, regular processos de ensino e processos de aprendizagem.
Por outro lado não é raro termos a tentação de construir, interpretar e divulgar os estudos que produzam dados que mostrem … a evidência desejada.
Por outro lado não é raro termos a tentação de construir, interpretar e divulgar os estudos que produzam dados que mostrem … a evidência desejada.
Na educação, também.
Este “desabafo” não tem a ver
evidentemente com a necessidade e a qualidade da generalidade dos estudos,
tenho realizado alguns, orientado outros e ainda leio regularmente muitos trabalhos. O desabafo decorre exactamente disto e do que fazemos com os dados.
Recordo um velho professor
pertencente a uma prestigiada universidade francesa que numa aula nos dizia
qualquer coisa como, “o investigador tortura os dados até eles confessarem”.
E, de facto, é curioso analisar
muitos estudos e, sobretudo, a forma como os seus dados são interpretados, por
vezes com leituras opostas.
Quase sempre uma questão de
agenda.
Sem comentários:
Enviar um comentário