terça-feira, 17 de dezembro de 2019

DO "DATA-ISM" EMERGENTE


O texto de Vítor Belanciano, “Reféns da sociedade da quantificação”, no Público coloca um conjunto de questões que merecem reflexão.
Vivemos em permanente medição, quantificação e avaliação. Nada escapa. Coisas, pessoas, actividades ou instituições. Obcecados com números, indicadores, pontuações, rankings, ratings ou likes, já nem nos damos ao trabalho de pensar. O nosso espaço mental é uma tabuada. Consumimos percentagens como se fossem ansiolíticos. Vivemos em cálculo permanente. Desiste-se de elucidar, de reflectir ou persuadir.
Puxa-se, triunfante, do papel com a estatística que mais nos serve e dispara-se números a toda a hora. Como se isso, por si só, bastasse. Como se os números não resultassem de enquadramentos ou contextos particulares e não pudessem ser alvo das mais diversas leituras. Como se não fosse fácil manipular números, com leituras de causa e efeito entre duas variáveis, quando o que existe tantas vezes é uma correlação entre diversas variáveis, ou com ilustrações de tendências dominantes, quando tantas vezes são as micro-tendências as mais reveladoras do que aí virá. (...)”.
Esta sobrevalorização dos dados recorda-me o texto fundador de David Brooks, “The Philosophy of Data”, no The New York Times em 2013.
If you asked me to describe the rising philosophy of the day, I’d say it is data-ism. We now have the ability to gather huge amounts of data. This ability seems to carry with it certain cultural assumptions — that everything that can be measured should be measured; that data is a transparent and reliable lens that allows us to filter out emotionalism and ideology; that data will help us do remarkable things — like foretell the future. (…)
Como é evidente, não se trata de desvalorizar o contributo essencial emergente dos dados e da sua análise em múltiplas áreas científicas e/ou sociais. A questão é a desconsideração de um outro conjunto de dimensões nem sempre passível de se “trancar” nos dados "medidos". Recordo, por exemplo, o corrente equívoco em torno da avaliação escolar, medir permite classificar e cumpre uma função, mas avaliar é bem mais do que medir e cumpre uma outra dimensão indispensável, regular processos de ensino e processos de aprendizagem.
Por outro lado não é raro termos a tentação de construir, interpretar e divulgar os estudos que produzam dados que mostrem … a evidência desejada.
Na educação, também.
Este “desabafo” não tem a ver evidentemente com a necessidade e a qualidade da generalidade dos estudos, tenho realizado alguns, orientado outros e ainda leio regularmente muitos trabalhos. O desabafo decorre exactamente disto e do que fazemos com os dados.
Recordo um velho professor pertencente a uma prestigiada universidade francesa que numa aula nos dizia qualquer coisa como, “o investigador tortura os dados até eles confessarem”.
E, de facto, é curioso analisar muitos estudos e, sobretudo, a forma como os seus dados são interpretados, por vezes com leituras opostas.
Quase sempre uma questão de agenda.

Sem comentários: