Os tempos vão negros. Esta negrura exige mais do que nunca
uma imprensa autónoma e independente que na luta pela verdade combata … a
imprensa e todos os que trabalham e se alimentam de “fake news”, “factos alternativos”
ou da fabricação da “pós-verdade”. Há uns anos numa entrevista ao Público, Tom
Rosenstiel, especialista em comunicação, afirmava que se o jornalismo, (os
jornais), deixar de ser rentável e, como tal, corra o risco de desaparecimento,
as democracias poderão sofrer um "cataclismo cívico".
É este o risco quando falham os “guardiões na luta contra a
verdade”.
No entanto, a imprensa tem que cumprir o seu papel, terá de
ser proactiva e não reactiva.
Se analisarmos o nosso quotidiano nesta matéria creio que
boa parte da imprensa é, frequentemente complacente com as lideranças
económicas e políticas mas também frequentemente esta complacência assenta no
seu próprio alinhamento. Em qualquer dos casos um mau serviço prestado à
cidadania.
Acho deplorável que muitos profissionais da imprensa aceitem
a forma como algumas figuras reagem ao ser abordadas pela imprensa sobre
assuntos sobre os quais, por várias razões, não lhes interessa discorrer.
Surgem então as afirmações patéticas, “não tenho nada a acrescentar”,
“desculpem, não comento”, “não estou aqui para falar dessas matérias,” etc.,
etc. Desenvolvem assim uma espécie de surdez selectiva, só ouvem o que lhes
convém, de mutismo selectivo, só falam do que lhes convém, de cognição
selectiva, só conhecem o que lhes convém.
As mesmas figuras que directamente ou através de terceiros,
lambem as botas às redacções e aos jornalistas (quanto mais influentes melhor)
e pedem, exigem, tempo de antena quando tal serve os seus diferentes
interesses.
Algumas dessas figuras quando, quase sempre fruto do
alpinismo partidário, ascendem a alguma forma de poder conseguem ainda ir mais
longe nessa relação com a imprensa, se não lhes agrada calam-na ou atacam-na
como também não é raro. É um método velho e intemporal.
Neste cenário, profundamente irritante e patético, sinto que
nos insultam, que nos consideram destituídos, como se por não abordarem as
diferentes matérias, elas não existam ou, noutros processos, que somos
manipulados de forma nem sempre perceptível pela opacidade das situações.
É grave a existência de uma comunicação social, boa parte
dela, passiva e resignada, que não confronte as figuras públicas com estes
comportamentos, não os denuncie, e que acorram solícitos quando essas figuras entendem
que têm algo a dizer, as mais das vezes, irrelevante. Também lhes convém esta
subserviência interesseira que alguns mantêm, também têm as suas agendas. Às
vezes são recompensados.
Recordo que em 2017 o Sindicato dos Jornalistas apelou a que
a classe "boicote" as conferências de imprensa ou declarações em que
não sejam permitidas questões. É de recordar que no Congresso dos Jornalistas
realizado em Janeiro foi aprovada por unanimidade uma decisão no mesmo sentido,
as iniciativas com a proibição de perguntas não seriam noticiadas.
Como é evidente esta decisão não teve qualquer consequência
e recorrentemente assistimos a estas deploráveis situações.
Levada a sério e posta em prática poderia ser um forte
contributo para combater o modo como muitas lideranças entendem o papel da
imprensa, serve para divulgar apenas a mensagem que lhes interessa mostrando-se
indisponíveis para responder a questões. A imprensa é apenas um veículo
publicitário dos seus produtos ou “verdades”.
Para além desta atitude seria ainda desejável que quando
colocam questões, os jornalistas façam as perguntas adequadas e não uma
encenação de diálogo que mais não é que um monólogo a dois, ou seja,
independentemente das perguntas, o inquirido fala do que quer sem que isso lhe
seja cobrado. É importante o movimento de “fact check” que vai emergindo, mas é
preciso mais.
Sei que não é fácil, todavia também tenho a convicção de que
seria uma forma de proteger a própria imprensa e o seu papel insubstituível
como um dos pilares das sociedades abertas e democráticas.
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