No Expresso lê-se que dos dois processos
de inquérito conduzidos pela Inspecção-Geral da Educação e Ciência ao colégio
Ribadouro já concluídos resultou, para já, a abertura de um processo
disciplinar à directora pedagógica da instituição.
Estes inquéritos surgiram depois de terem sido
divulgadas em Maio no blogue ComRegras do Alexandre Henriques várias pautas do
10º ano do Colégio Ribadouro (sempre bem posicionado nos rankings, claro)
relativas a Educação Física em que nenhum aluno do 10º teve nota inferior
a 18 no 2º período. Mais precisamente, de 248 alunos do 10º, 128 (52%) tiveram
20 valores, 108 alunos (44%) tiveram 19 e apenas 12 desajeitados alunos tiveram
18. Notável o desempenho dos alunos em Educação Física, tão notável quanto o
desempenho da escola em rigor, seriedade, ética e manhosice.
Como escrevi na altura, esta notícia não trazia
nada de novo na substância. É bem sabido e já referido em trabalhos do CNE ou relatórios da IGEC que vários estabelecimentos de ensino,
designadamente no ensino privado, têm práticas avaliativas altamente generosas
e simpáticas. Esta simpatia e generosidade é particularmente sentida no
ensino secundário, as notas internas dos alunos são sobrevalorizadas dando um contributo "simpático" para a subida da média final do ensino secundário que continua
a ser o critério quase exclusivo no acesso ao ensino superior.
Os negócios da educação têm
destas coisas. E têm destas coisas porque apesar da alteração que se verificará
no ensino profissional o acesso ao ensino superior continua a depender quase
que exclusivamente da média final do secundário. Como, do meu ponto de vista
bem, a nota de educação Física voltou a contar para o cálculo, o resultado
estava à vista.
Como disse a situação não é nova,
o que é novo, é esta despudorada vergonha com as notas de Educação Física. No
final de 2018 foi divulgado um relatório da Inspecção-Geral de Educação e
Ciência que analisou algumas escolas em que se tem verificado uma discrepância
significativa entre os resultados dos alunos na avaliação externa, os exames, e
a avaliação interna na qual a generosidade e simpatia dessas escolas
inflacionam a classificação dos alunos. Salientava-se a forma como é “revista
em alta” a classificação dos alunos, recorrendo à sobrevalorização de dimensões
menos sujeitas a “medida” e, por outro lado, mostrou como são imprescindíveis
os dispositivos de regulação.
Também o Relatório Anual do
Conselho Nacional da Educação, “Estado da Educação 2016”, voltava a referir a
“simpatia” e “generosidade” de algumas escolas que inflacionam as notas dos
seus alunos. Dentro do padrão habitual, a maioria das situações ocorre em estabelecimentos
privados o que o relatório da Inspecção veio a confirmar.
É público que em muitas zonas as
escolhas de escola por parte das famílias, sobretudo privadas mas também
públicas, se decidem também em função deste conhecimento.
Os responsáveis pelas escolas em
que o “fenómeno” é mais evidente tentam explicá-lo de formas diferentes e em
alguns aspectos até bastante curiosas, projecto pedagógico ou educativo da
instituição, entendimento diferenciado sobre o próprio papel da avaliação
interna, etc.
É também por razões desta
natureza que, afirmo-o de há muito, a conclusão e certificação de conclusão do
ensino secundário e a candidatura ao ensino superior deveriam ser processos
separados. Esta questão associa-se aos rankings escolares e aos dividendos que
daí podem advir. Devo dizer que me incomoda verificar que na generalidade dos
suplementos dedicados pela imprensa aos rankings escolares, os resultados são
mostrados misturados com publicidade a alguns estabelecimentos privados.
Os exames nacionais destinam-se,
conjugados com a avaliação realizada nas escolas, a avaliar e certificar o
trabalho escolar produzido pelos alunos do ensino secundário e que, obviamente,
está sediado no ensino secundário. Neste cenário caberiam também as outras
modalidades que permitem a equivalência ao ensino secundário, como é o caso do
ensino artístico especializado ou recorrente em que também se verificam algumas
"especificidades", por assim dizer.
O acesso ao ensino superior é um
outro processo que deveria ser da responsabilidade do ensino superior e estar
sob a sua tutela.
A situação existente alimenta
este nicho de mercado sem que, os estudos mostram-no as notas de acesso dos
alunos do ensino secundário privado não sustenta carreiras escolares no ensino
superior no mesmo patamar.
No meu ponto de vista não está em causa a existência de
exames finais no ensino secundário como algumas pessoas entendem quando se defende outro
modelo de acesso ao superior. Julgo que a avaliação externa é imprescindível
por várias razões incluindo a regulação de práticas como a do Ribadouro e
outras instituições. O que me parece ajustado é que as classificações, internas
e externas no ensino secundário deveriam constituir apenas um factor de
ponderação a comsiderar com outros critérios nos processos de admissão
organizados pelas instituições de ensino superior como, aliás, acontece em
muitos países.
Isto também não significa que as
instituições de ensino superior entrassem em roda livre no processo de selecção
dos seus alunos abrindo, assim, portas agora à "simpatia" no acesso ao superior. Poder-se-ia pensar numa lógica de áreas científicas com
dispositivos de selecção geridos de forma integrada pelas instituições,
públicas e privadas, sendo a colocação dos alunos resultante das suas escolhas,
naturalmente, mas também dos seus resultados neste dispositivo de avaliação
gerido pelas instituições de ensino superior, da sua classificação final do
ensino secundário (avaliação interna e externa) nas diferentes tipologias e,
eventualmente, envolvendo alguns requisitos específicos para alguns cursos.
Sediar no ensino superior o
processo de admissão minimizaria muitos dos problemas conhecidos decorrentes do
facto da média de conclusão do ensino secundário ser o único critério utilizado
para ordenar os alunos no acesso e eliminaria o “peso” das notas inflacionadas
em diversas circunstâncias.
Enquanto não se verificar a
separação da conclusão do secundário da entrada no superior corremos o risco de
lidar com situações desta natureza embora a transparência as possa minimizar.
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