São hoje divulgadas as conclusões
de um trabalho “Violência Sexual na Academia de Lisboa — Prevalência e Perceção
dos Estudantes", realizado pela Federação Académica de Lisboa entre 2018 e
2019 com a colaboração das instituições Associação Portuguesa de Apoio à Vítima
(APAV), Quebrar o Silêncio e União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR).
De 955 respostas de alunos do
ensino superior com uma média de 21 anos de idade os indicadores são preocupantes
mas não surpreendentes.
A violência física envolvendo abuso,
coacção e violação a situação menos reportada ainda que 34,2% dos inquiridos “afirmaram
experienciar crimes relacionados, dos quais 12,2% demonstram que ocorreu mais
do que uma vez”.
Os contactos físicos íntimos e
indesejados ou a coacção para actos sexuais que envolvam penetração sem
consentimento são as situações com maior número de casos referidos.
Agrupando as situações referidas
em três dimensões, violência sexual física, emocional ou assédio, os episódios
de violência emocional são de maior prevalência entre os estudantes.
Cerca de 80% dos inquiridos,
estudantes universitários, refere já ter experienciado comentários
provocatórios de natureza sexual ou olhares incomodativos com impacto emocional
e 55% refere ter vivido este tipo de situações.
De registar que 61,4% relatou
episódios vitimização sexual, também afirmou já ter sido vítima de assédio
sexual, presenciais como exibicionismo, por exemplo através de contactos
telefónicos, mensagens ou fotografias de cariz sexual não desejado. Dos
inquiridos que reportaram este tipo de situações, 38,1% referiam ter acontecido
mais do que uma vez.
É ainda relevante que 89% dos
estudantes nunca não reportaram ter sido vítimas. Quando divulgam é às
autoridades policiais, 39.5% ou amigos e familiares. Apenas11,63% dos casos
foram denunciados à instituição de ensino que frequentam .
Finalmente é de referir que os agressores
são sobretudo pessoas conhecidas,32,58% ou colegas, 23,29% e bastante relevante
seja referido como agressor pessoal não docente das instituições, 16,74%, docentes,
2,18%, e amigos,11,44%). Cerca de 13% das agressões acontecem no contexto de
relações amorosas.
Este conjunto de indicadores é, de
facto, merecedor de análise séria.
Se considerarmos dados relativos
a violência no namoro o estudo divulgado no início do ano também pela União de
Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) “Violência no Namoro 2019” a preocupação
avoluma-se.
O número de jovens, que namoram
ou já namoraram que refere ter sofrido pelo menos uma forma de violência por
parte do parceiro(a) é de 58% sendo que em 2018 era de 56%. Um dado ainda mais
inquietante é manutenção de taxa dramaticamente elevada de jovens que que
entendem estas práticas como “normais”, 67% no inquérito deste ano e 68,5% no
estudo anterior.
Os comportamentos considerados
envolvem difamação, o recurso às redes sociais para chantagear o outro, o
hábito de intromissão no telemóvel ou nos bolsos, as agressões físicas e a
coacção para práticas sexuais não desejadas, etc.
Um outro trabalho divulgado em
2018, “Violência no Namoro em Contexto Universitário: Crenças e Práticas”,
promovido pela Associação Plano i mas envolvendo apenas jovens e jovens adultos
com frequência ou formação universitária” está em linha indicadores do trabalho
desenvolvido pela UMAR, 54,7% dos jovens em Portugal já sofreram pelo menos um
acto de violência no namoro. Sublinho que estamos a falar de estudantes
universitários o que torna tudo ainda mais preocupante.
O que ainda me parece mais
dramático é a manutenção sem grandes alterações destes indicadores ao longo dos
anos o que talvez ajuda a perceber como a violência doméstica parece
indomesticável.
Em Fevereiro o Governo divulga
uma campanha, #NamorarMemeASério, com o objectivo de eliminar a violência no
namoro identificando as suas diferentes forma e o seu entendimento como
“natural”.
Os dados convergem no indiciar do
que está por fazer em matéria de valores e comportamentos sociais. Acresce que
boa parte das situações de abuso não são objecto de queixa.
Este conjunto de dados é
preocupante, gostar não é compatível com maltratar ou abusar, mas creio que não é
surpreendente. Os dados sobre violência doméstica, abusos e assédio em adultos
que permanecem indomesticáveis deixam perceber a existência de um trajecto
pessoal anterior que suporta os dados destes e de outros trabalhos. Aliás, nos
últimos anos a maioria das queixas de violência doméstica registadas pela APAV
foram de mulheres jovens.
Os sistemas de valores pessoais
alteram-se a um ritmo bem mais lento do que desejamos e estão, também e
obviamente, ligados aos valores sociais presentes em cada época. De facto, e
reportando-nos apenas aos dados mais gerais, é criticamente relevante a
percentagem de jovens, incluindo estudantes universitários, que afirmam um
entendimento de normalidade face a diferentes comportamentos que evidentemente
significam relações de abuso e maus-tratos bem como à elevada prevalência de
agressão sexual nas diferentes tipologias.
Como todos os comportamentos
fortemente ligados à camada mais funda do nosso sistema de valores, crenças e
convicções, os nossos padrões sobre o que devem ser as relações interpessoais,
mesmo as de natureza mais íntima, são de mudança demorada. Esta circunstância,
torna ainda mais necessária a existência de dispositivos ao nível da formação e
educação de crianças e jovens; de uma abordagem séria e persistente nos meios de
comunicação social; de um enquadramento jurídico dos comportamentos e limites
numa perspectiva preventiva e punitiva e, finalmente, de dispositivos eficazes
de protecção e apoio a eventuais vítimas.
Só uma aposta muito forte na
educação, escolar e familiar, pode promover mudanças sustentadas nesta matéria.
É uma aposta que urge e tão importante como os conhecimentos curriculares.
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