domingo, 22 de dezembro de 2019

A GENEROSIDADE REVISTA EM BAIXA


Como todos sabemos e reafirmamos o tempo de natal é um tempo de generosidade e empatia. Assim sendo, não se compreende que a imprensa divulgue agora que durante este ano a Inspecção-Geral da Educação e Ciência instaurou vinte processos contra estabelecimentos de ensino ou seus responsáveis pela generosidade e simpatia com que fazem “crescer” as notas dos seus alunos do ensino secundário de modo a permitir uma maior facilidade no acesso ao ensino superior. A maioria das situações envolve escolas privadas.
Não se entende, no fundo trata-se de uma generosa e desinteressada ajuda a que estes alunos  e suas famílias concretizem os seus sonhos.
Mais a sério.
Este cenário é conhecido, pelo menos, desde 2015, 2016 que sucessivos trabalhos do Conselho Nacional da Educação, da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e da Inspecção-Geral da Educação e Ciência que este expediente manhoso existe. Estranho mesmo é que só durante este ano tenham sido concluídos inquéritos a instituições e responsáveis.
Recordo ainda que sendo certo que entre as escolas “simpáticas”, as que inflacionam as notas, predominam as escolas privadas, é evidente que no caso das escolas em que os alunos obtêm melhores resultados nos exames que nas avaliações internas predominam habitualmente as públicas, ou seja, o “facilitismo” das escolas públicas que alguns apregoam não será assim tão claro.
Os responsáveis pelas escolas em que o “fenómeno” da simpatia e generosidade é mais evidente tentam explicá-lo de formas diferentes e em alguns aspectos até bastante curiosas, projecto pedagógico ou educativo da instituição, entendimento diferenciado sobre o próprio papel da avaliação interna, etc.
É também por razões desta natureza que, afirmo-o de há muito, a conclusão e certificação de conclusão do ensino secundário e a candidatura ao ensino superior deveriam ser processos separados. Os exames nacionais destinam-se, conjugados com a avaliação realizada nas escolas, a avaliar e certificar o trabalho escolar produzido pelos alunos do ensino secundário e que, obviamente, está sediado no ensino secundário.
Não está em causa a existência de exames finais no ensino secundário. O que me parece ajustado é que as classificações, internas e externas no ensino secundário deveriam constituir apenas um factor de ponderação a contemplar com outros critérios nos processos de admissão organizados pelas instituições de ensino superior como, aliás, acontece em muitos países.
O acesso ao ensino superior é um outro processo que deveria ser da responsabilidade do ensino superior e estar sob a sua tutela.
A situação existente alimenta os negócios da educação. Curiosamente, os estudos da Universidade do Porto mostram, pelo menos desde 2012, que as notas de acesso dos alunos do ensino secundário privado não sustentam carreiras escolares no ensino superior no mesmo patamar, os alunos oriundos de escolas pública obtêm melhores resultados.
Tenho alguma curiosidade sobre o que pensarão sobre estes expedientes os alunos, os pais e os professores destas escolas. Dos responsáveis institucionais adivinho o que dirão, se disserem alguma coisa, "nada lhes pesa na consciência". Como sempre.


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