sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

DE REGRESSO AO LADO B DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA


Lamento, mas tenho de voltar à designada educação inclusiva. Tendo mais de quarenta anos de envolvimento nesta matéria é difícil resistir. Não refiro este trajecto procurando uma qualquer forma de autoridade que não reclamo, mas apenas para sustentar uma ligação longa, empenhada, atenta e sempre inquieta.
Também por isto e olhando lá para trás sei e reconheço o caminho já feito relativamente à resposta educativa às crianças e jovens que por uma qualquer razão experimentam maiores ou menores dificuldades no seu desenvolvimento e trajecto educativo.
No entanto, em cada momento preocupa-me mais o que estamos a fazer e como vamos melhorando o cumprimento de um direito não negociável, o direito à educação de qualidade em contextos de equidade e inclusão.
Tendo sido profundamente crítico do DL 3/2008 aguardei com expectativa a necessária mudança no enquadramento normativo.
Sobre o 54/2018 muitas vezes aqui referi aspectos positivos e, lá está, as dimensões que me suscitam fortes reservas desde logo a forma como chegou às escolas ou parte da sua doutrina. Não vou repetir, no Atenta Inquietude estão muitos textos sobre isto.
Hoje, uma outra forte preocupação,
Algo que me fez reagir muito criticamente quando o 3/2008 entrou em vigor foi a insustentável introdução do critério “elegibilidade”, um atentado. Em educação não existem alunos “elegíveis” ou não “elegíveis”, existem alunos que exigem, sublinho exigem, uma resposta a qualquer que seja a sua difuculdade.
Como tantas vezes disse, do meu ponto de vista a introdução da “elegibilidade” com base na CIF foi uma forma manhosa de baixar o número de alunos em dispositivos de apoio. E assim foi, na altura passámos de cerca de 50 000 crianças e jovens apoiados para 34000. Notável!
Foram criadas equipas de monitorização que nas escolas obrigavam a que não existissem mais do que 1.8% de alunos em apoio, aceitando até 2.2%, ao arrepio de qualquer indicador de prevalência internacionalmente aceite. O responsável por esta “eutanásia educativa”, Valter Lemos, sempre  afirmava publicamente a sua dedicação à causa da … educação inclusiva. A história ajudará a esquecer a figura.
A questão é que estas notas se justificam por algo que me parece profundamente preocupante, tenho recebido algumas informações no sentido que algumas escolas têm sentido alguma pressão por parte do dispositivo de “monitorização” regional para reduzir o número de alunos com medidas “selectivas” e “adicionais” passando-os a “universais”.
Será a repetição da história do 3/2008 com a devida actualização terminológica? Desligam-se os alunos de apoios, “aumenta-se” assim o número de alunos “incluídos” e aliviam-se as necessidades de recursos. Não gosto de acreditar que assim é, mas ...
Parece também que segundo as mesmas orientações os alunos para os quais estão definidas Adaptações Curriculares Significativas não podem aceder a medidas educativas da mesma natureza que os alunos que seguem o currículo “comum”, antecipação e reforço de aprendizagens, apoio psicopedagógico, alterações no tipo de prova e alterações nas condições de avaliação. Uma ideia de educação inclusiva assenta num princípio operacional de diferenciação, a única forma de responder às necessidades de cada aluno. A orientação dada às escolas parece ser, entendimento errado o meu certamente, o acantonamento dos alunos com mais dificuldades e das tipologias de resposta definindo com estreiteza o trabalho a realizar ou seja ... o contrário dos princípios de educação inclusiva.
Mas enfim, como sabem agora já não existem alunos com necessidades especiais porque isso é rotulagem. Agora são “universais”, “selectivos” ou “adicionais” que são um “petit nom” carinhoso e sem qualquer carga de rotulagem e como também recorrentemente vejo afirmado, com esta inovação, com esta revolução, com o novo paradigma, a educação inclusiva agora é para todos. A sério!? Afinal, a educação inclusiva é para todos. Como é que nunca tínhamos pensado nisto?
Não, não podemos caminhar assim.
O que me inquieta mesmo é sentir que estamos a hipotecar uma oportunidade para fazer mais e melhor. Existe massa crítica conceptual e experiência reflectida, atitude de aceitação e necessidade de mudança por parte de famílias, professores, técnicos e direcções e estamos a desperdiçar este capital por incompetência, agendas pessoais, institucionais ou tribais de diferente natureza, arrogância, etc.  Gente que correu o país a bater-se pelo 3/2008 subscreve agora com veemência e agressividade para com professores, técnicos e pais o DL 54/2018 e o que de muito mau vai acontecendo. Registe-se a coerência e a capacidade de surfar todas as ondas. Não era disto que precisávamos.
A história não os absolverá.
Daí este meu cansaço.
PS - Sim, sei que muitas coisas competentes e bonitas acontecem todos os dias. Ainda bem para todos os envolvidos, sinto-me satisfeito quando assim é, mas ... preocupa-me mais o lado B deste universo.

Sem comentários: