Umas notas sobre os resultados no Programme International
for Students Assessment (PISA) de 2018 ficam para amanhã. Até lá vou lendo os estimulantes comentáros que chovem na comunicação social.
A agenda das consciências determina que hoje se cumpra o Dia
Internacional das Pessoas com Deficiência. Como sempre, umas notas que de forma
substantiva não se desactualizam, lamentavelmente.
Como é hábito nestes dias surgirão peças na comunicação
social, ouvir-se-á alguma da retórica política aplicável à matéria em apreço
com referência a iniciativas ou intenções, provavelmente teremos até alguns testemunhos,
positivos e negativos, de pessoas com deficiência ou de entidades que "operam" nesta área. Aliás, a inclusão constitui-se como um nicho de mercado promissor em diversas vertentes.
Assistiremos a alguns eventos das instituições e movimentos
que operam nesta área, referir-se-ão alguns avanços de natureza tecnológica,
como se sabe as tecnologias mudam mais depressa que as pessoas e amanhã o mundo
volta-se para outra questão que a agenda das consciências determine.
Em primeiro lugar deve dizer-se que, como acontece em outras
áreas, a legislação portuguesa é globalmente positiva, embora a sua
operacionalização mereça quase sempre um estudo de caso. Veja-se o que passa no
mundo da chamada “educação inclusiva” e o arranque dos Centros de Apoio à Vida
Independente. Na sua definição é promotora dos direitos das pessoas, mas a sua
falta de eficácia e operacionalização é bem evidenciada na tremenda dificuldade
que milhares de pessoas experimentam no dia-a-dia.
No entanto e como exemplo, é notória a falha na fiscalização
e cumprimento das disposições legais relativas às questões das acessibilidades
e barreiras nos edifícios, mobiliário urbano e acessibilidade em geral. As
normas de construção não são respeitadas, mantendo-se em edifícios novos a
ausência de rampas ou a sua existência com desníveis superiores ao
estabelecido, constituindo, assim, um risco sério de queda.
O resultado é a existência de muitos serviços públicos e
outro tipo de equipamentos de prestação de serviços com barreiras
arquitectónicas intransponíveis, a que os cidadãos com deficiência só podem
aceder com ajuda de terceiros e, mesmo assim, com dificuldade.
Os transportes públicos de diferente natureza também colocam
enormes problemas na acessibilidade por parte de pessoas com mobilidade
reduzida.
Para além deste quadro, suficientemente complicado, ainda há
que contar com a prestimosa colaboração de muitos de nós que estacionamos o
belo carrinho em cima dos passeios, complicando ou proibindo, naturalmente, a
circulação de cadeiras de rodas. Os passeios, nem sempre com as medidas
determinadas por lei, são, por vezes e quase na totalidade, ocupados com
esplanadas que, claro, são só mais uma dificuldade para muita gente.
A vida de muitas pessoas com deficiência é uma constante e
infindável prova de obstáculos, muitas vezes intransponíveis, que ampliam de
forma inaceitável a limitação na mobilidade que a sua condição, só por si, pode
implicar. No entanto, muitos dos obstáculos não têm a ver com barreiras físicas,
remetem para a falta de senso, incompetência ou negligência com que gente
responsável(?) lida com estas questões.
Na verdade, boa parte dessas dificuldades decorre do que as
comunidades e as suas lideranças, políticas por exemplo, entendem ser os
direitos, o bem comum e o bem-estar das pessoas, de todas as pessoas.
Também para as crianças com necessidades especiais e
respectivas famílias a vida é muito complicada face à qualidade e
acessibilidade aos apoios educativos e especializados necessários apesar do
empenho e profissionalismo da maioria dos profissionais que trabalham nestas
áreas. Os tempos que correm estão ainda marcados pelos sobressaltos das
alterações legislativas que apesar de conterem aspectos positivos também
suscitam alguma inquietação.
Como é evidente, existem muitas outras áreas de dificuldades
colocadas às pessoas com deficiência, designadamente apoios sociais,
qualificação profissional e emprego, em que a vulnerabilidade e o risco de
exclusão são elevados traduzido em taxas de desemprego entre pessoas com
deficiência muitíssimo superiores à verificada com a população sem deficiência.
Uma referência ainda ao que deve ser um princípio não
negociável, a inclusão em todos os domínios da vida das comunidades.
É verdade que a questão da inclusão, em particular da
inclusão em educação, é presença regular nos discursos actuais. É objecto de
todas as apreciações, ilumina todas as perspectivas e acomoda todas as
práticas, incluindo a “entregação” que manifestamente não promove inclusão,
antes pelo contrário. Por vezes, demasiadas vezes, confunde-se colocação
educativa, crianças com necessidades especiais na sala de aula regular, com
inclusão. Aliás, a inclusão até se constitui como um nicho de mercado promissor.
O termo está tão desgastado que já nem sabemos bem o que
significa. Não esqueço o que positivo se faz, mas conheço tantas práticas e
tantos discursos que alimentam exclusão e que são desenvolvidas e enunciados
... em nome da inclusão. Tantas vezes me lembro do Mestre Almada Negreiros que
na "Cena do Ódio" falava da "Pátria onde Camões morreu de fome e
onde todos enchem a barriga de Camões".
A inclusão assenta em cinco dimensões fundamentais, Ser
(pessoa com direitos), Estar (na comunidade a que se pertence da mesma forma
que estão todas as outras pessoas), Participar (envolver-se activamente da
forma possível nas actividades comuns), Aprender (tendo sempre por referência
os currículos gerais) e Pertencer (sentir-se e ser reconhecido como membro da
comunidade). A estas cinco dimensões acrescem dois princípios inalienáveis,
autodeterminação e autonomia e independência.
As pessoas com deficiência não precisam de tolerância, não
precisam de privilégios, não precisam de caridade, precisam só de ver os seus
direitos considerados. Os direitos não são de geometria variável cumprindo-se
apenas quando é possível.
Este é o caderno de encargos que nos convoca a todos, todos
os anos, todos os dias.
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