sábado, 30 de novembro de 2019

O DESTELO E O APREGOADOR


Como costumo dizer que uma das vantagens de ser velho é ter histórias para contar. Sempre que tenho oportunidade, é algo que me dá muito gozo, também gosto de ouvir histórias da gente dos outros tempos para juntá-las às minhas. Uma das fontes é o meu amigo, o Mestre Zé Marrafa que trabalha comigo cá no Monte. Acabada a apanha da azeitona ainda andamos a limpar oliveiras e depois teremos a lenha para esgalhar e traçar. Tarefa para mais uns dias.
Enquanto andamos na lida surgem as lérias, neste caso histórias de lá atrás no tempo. 
Fiquei assim a conhecer algo de que nunca tinha ouvido falar, o destelo, e uma função, o Apregoador, há muito desaparecida no meu Alentejo. Vamos por partes, quando se considerava que a época da apanha da azeitona tinha terminado, o apregoador, já explico, avisava que se poderia ir ao destelo. O destelo é a busca de alguma azeitona que ficou para trás caída ou na oliveira e que as pessoas de menores recursos ainda vinham pacientemente, catar, colher e vender no lagar ou guardar para conserva. Lembrei-me do lindíssimo “Os Respigadores e a Respigadora” de Agnès Varda.
O Apregoador tinha uma função muito curiosa, cabia-lhe anunciar em quatro sítios diferentes da vila aquilo que lhe pediam para apregoar, desde um produto que estaria à venda no mercado, um monte ou uma herdade para vender, a realização de um qualquer evento, etc. Este trabalho pioneiro de publicidade e marketing realizava-se a troco de uma oferta por parte do interessado em apregoar.
O Velho Marrafa que em novo ainda andou ao destelo, estranha como as pessoas hoje não ligam a tantas coisas que deixam estragar sem aproveitar. Dói-lhe a alma de ver tanta azeitona a ficar nas árvores sem ser colhida e nós a importarmos azeite.
Também a mim, mas acho que se chama evolução.

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