quinta-feira, 21 de novembro de 2019

A LONGA MARCHA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Estou pelo Funchal para participar numas provas académicas que tem como questão de fundo a educação especial e a educação inclusiva.
Por coincidência vejo no Público uma peça relativa a um inquérito desenvolvido pela Fenprof junto de direcções escolares e professores sobre o efeito da entrada em vigor do tal decreto, o 54. Dos professores respondentes, 1192, 46.3% entende que piorou a situação existente e 21,5% dos professores respondem que “está na mesma”. As respostas de 92 direcções sugerem que 63% entende que a resposta melhorou.
Não conheço o estudo realizado mas creio que a sua robustez exige prudência na leitura, quer das opiniões mais positivas quer das mais negativas, mas ainda assim umas notas.
Como tantas vezes escrevi a alteração do quadro legal era necessária desde a saída do DL 3/2008. Também em relação ao 54/2018 entendi que continua uma “tradição" que não me parece adequada, um normativo não tem que integrar doutrina científica ou modelos mas, fundamentalmente, princípios, orientações, definição de recursos e dispositivos de regulação. Recordo que estamos falar de um “regime jurídico”.
Também sabemos que os processos de mudança estão sujeitos a dúvidas e sobressaltos pelo que a gestão das políticas públicas deve ter isso em consideração. Também a forma como foi colocado em vigor me pareceu potenciar prováveis dificuldades, constrangimentos e dúvidas correndo-se o sério risco de hipotecar o potencial de mudança.
Inscrito também no mantra da flexibilização, as práticas em muitas comunidades educativas continuam associadas a uma “azáfama grelhadora” que burocratiza e desgasta sem que o benefício pareça compensar o custo.
Os testemunhos conhecidos em vários espaços e de diferentes formas sobre o que vai acontecendo pelas escolas nesta matéria ilustram com muita clareza a enorme sombra de dúvidas e dificuldades que referem todos os intervenientes, professores do ensino regular, docentes de educação especial, técnicos e pais que estão genuinamente empenhados em que todo corra o melhor possível.
Apesar dos bons exemplos que felizmente sempre conhecemos e também merecem divulgação, a realidade, recorrendo a uma terminologia presente no DL 54/2008, acomoda muitos professores e técnicos perdidos na mudança de paradigma, perdidos nas orientações e na inadequação dos recursos, nas medidas voluntaristas que quase parecem querer “normalizar” e “incluir” alunos, “entregando-os” nas salas de ensino regular, remetendo-os para "espaços outros" (agora já não se chamam "unidades") ou mesmo aconselhando a sua permanência em casa provocando exclusão e sofrimento, incumprimento de direitos, desespero nas famílias e também em professores e técnicos.
Às dúvidas, muitas, surgem respostas que com frequência começam por “eu acho …”, “nós decidimos …”, “na minha escola”, “no meu grupo …”, etc.
Existem muitos casos de alunos com necessidades especiais, sim com necessidades especiais, “entregados” na sala de aula em nome da inclusão e que …se sentem e estão excluídos.
Este cenário também está, do meu ponto de vista, associado ao referido “excesso de doutrina” que cria ruído e diferentes leituras com o óbvio risco de que “é preciso que tudo mude para que tudo fique (quase) na mesma”. Parte da formação que se tem desenvolvido neste contexto parece estar a contribuir para as dificuldades e não para as soluções.
Sim, também sei e reafirmo, há gente e escolas a realizar trabalhos notáveis como sempre aconteceu. Merecem divulgação e reconhecimento.
É insustentável afirmar como o ME insistentemente faz que apenas se verificam problemas pontuais. Não se verificam apenas alguns incidentes próprios dos processos de mudança, não me digam que estamos na antecâmara da educação de qualidade para todos. Seria muito bom mas a questão é que educação de qualidade para todos é bem mais exigente em recursos e apoios que uma sala de aulas para todos
Continuo a entender que o processo de mudança ganharia se durante algum tempo, antes da publicação, o normativo estivesse em discussão e trabalho nas escolas, identificando e antecipando os processos decorrentes da mudança, as dificuldades e as necessidades em matéria de ajustamento de recursos, organização e procedimentos. Teria estimulado uma apropriação participada e permitiria construir com mais coerência e maior tranquilidade o trabalho a desenvolver pelas equipas das escolas quando, de facto, entrasse em vigor.
Agora é continuar a longa marcha da educação inclusiva.
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