Sem surpresa, mas apesar de tudo com alguma inquietação vi a
manchete de 1ª página do CM de ontem, “Lei antichumbo poupa 5000 euros por
alunos (e em letras mais pequenas) – Professores indignados – Está em marcha
plano que acaba com reprovações e enche cofres do Estado”.
Não espero muito do CM, mas este modelo de imprensa é “manhoso”.
Podia ser ignorância ou ligeireza, mas não, trata-se das agendas que fazem
parte da equação da educação em Portugal.
Em primeiro lugar e como já escrevi várias vezes, entendo que a intenção do governo de “criar um plano de não retenção no ensino básico” assenta num pressuposto correcto e verifica-se em vários países. Parecer-me-ia muito estranho aceitar e concordar que conste das políticas públicas em educação manter ou alimentar níveis ainda elevados de
retenção de alunos nos primeiros anos de escolaridade apesar dos ganhos realizados nos últimos anos.
No entanto, a partir deste pressuposto também escrevi que não
pode existir a “tentação de promover “sucesso” que não corresponda
efectivamente a aprendizagens realizadas” ou a "melhoria
"administrativa" das estatísticas da educação, uma tentação a que nem
sempre se resiste", recordo algumas situações no âmbito do Programa Novas Oportunidades. Nenhuma dúvida sobre isto.
Por outro lado, importa recordar e sublinhar que o nível de
retenção em Portugal tem custo elevados, pessoais (projecto de vida
comprometido), evidentemente, sociais (níveis de desenvolvimento e
qualificação) e também económicos, sim, económicos.
Lembro que um Relatório Técnico do Conselho Nacional de
Educação sobre a retenção em Portugal divulgado em Fevereiro de 2015, o
CNE era presidido por David Justino, estimou o custo de 6500€ por cada aluno que
“chumba”, (na altura tínhamos um nível de retenção superior ao actual em que se
considera 50000 alunos retidos no básico).
Em 2017, ainda com David Justino, o CNE divulgou o Relatório
“Estado da Educação, 2017” em que indicadores relativos ao insucesso foram
analisados em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos no âmbito do
Projecto aQeduto que incluía uma vertente económica, sim, a retenção tem custos
brutais, insisto. Neste relatório e recorrendo aos estudos já desenvolvidos o
impacto económico da retenção era estimado em cerca de 6000€ por aluno em cada
ano.
Como também já aqui referi, adaptando o modelo desenvolvido
pela Education Endowment Foundation, o Projecto aQeduto identificou o grau de
eficácia e custo económico de um elenco de medidas de combate ao insucesso. Das
medidas analisadas,(ver quadro abaixo) a retenção tem o custo mais elevado e a eficiência é
negativa, promove um atraso de 4 meses. Ensinar a estudar é a medida mais
económica, 87€, e mais eficiente, promove um ganho de 8 meses de aprendizagem.
Estes dados são importantes, mas a sua substância não é
nova, chumbar não melhora a aprendizagem.
Recordo, aliás, que no Relatório “Low-Performing Students - Why They
FallBehind and How To Help Them Succeed” divulgado pela OCDE em 2017 se
evidencia que o “chumbo”, a retenção, é para os alunos portugueses o principal
factor de risco para os resultados na avaliação posterior, dito de outra
maneira, os alunos chumbam …, mas não melhoram.
Nesta perspectiva, a forma como CM trata este assunto e
constrói a 1ª página parece-me insustentável.
Primeiro, é conhecida a intenção de promover um plano de não
retenção no básico. Como já disse, compreendo a ideia, mas importa assegurar em
que se traduz. No entanto, não conheço nenhum projecto de lei que proíba os “chumbos”,
algo que seria do domínio da delinquência política.
Segundo, o custo elevadíssimo dos chumbos é um sorvedouro
ineficiente de dinheiros públicos (apenas mais um) e com impactos pessoais e
sociais graves. Se a retenção baixar através de medidas de apoio adequadas a
escolas, professores e alunos, também o impacto económico desta questão baixará,
mas não me parece, ainda assim, que “possa encher os cofres do estado”.
Sou crítico de muitas decisões em matéria de políticas
públicas de educação realizadas nas últimas décadas e olho para este universo
sem nenhuma agenda que não seja o que entendo como o que melhor serve alunos,
pais, professores e comunidade, isto é, uma escola pública de qualidade.
O modo como estas questões são tratadas demasiado frequentemente
pela comunicação social faz parte do problema.
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