terça-feira, 26 de novembro de 2019

OS TEMPOS DA EDUCAÇÃO DE INFÂNCIA


Foi divulgado o estudo do CNE “Estado da Educação 2018”. Ainda não tive acesso mas do que se conhece, para além da confirmação do não cumprimento das metas de formação superior definidas para 2010, 40% para o grupo 30-34 anos, da ainda elevada taxa de retenção, da associação entre dados sociodemográficos e desempenho escolar ou o envelhecimento da classe docente, temos um dado merece algumas notas, em Portugal verifica-se um horário de permanência de crianças dos 0 aos 3 anos e dos 3 aos 6 em jardim-de-infância cerca de 10h mais elevado que a média europeia.  
As crianças até aos 3 estão, em média, 39,1 horas por semana, cerca de oito horas por dia, com amas ou em creches. As com três ou mais anos estão 38,5 horas semanais em instituição. 
A média europeia é de 27,4 horas para os 0-3 e 29,5 horas para os 3-6 anos mais velhos.
Um outro dado relevante é que a oferta de creche de em Portugal, 36.7%, é ligeiramente superior à média quer da OCDE, 36.3%, quer da EU, 35.6%.
Este cenário parece-me traduzir uma das consequências da inconsistência das políticas de família, ou seja, baixo tempo de licenças parentais a colocar pressão nas famílias e na existência de respostas e estilos de vida e modelos de organização do trabalho que levam à permanência por tempo excessivo das crianças mais pequenas em instituição ou, caso dos 0 aos 3, também em amas.
Esta situação a que acresce a dificuldade em encontrar respostas e os custos elevados do acesso aos equipamentos, boa parte privada ou da rede social, dos mais altos no contexto europeu, veja-se o relatório "Starting Strong 2017", divulgado pela OCDE que já aqui citei, é reconhecidamente um dos factores associados à baixa natalidade e que, aliás, o relatório sublinha.
É recorrente a divulgação de informação referindo a existência de muitas crianças nas listas de espera de creches e jardins-de-infância no chamado sector social em que as mensalidades são indexadas aos rendimentos familiares. Esta situação afecta sobretudo zonas mais urbanas e a alternativa da resposta privada é inacessível para muitas famílias. Contribuindo para uma oferta clandestina bem conhecida mas não regulada.
Como tenho afirmado, não tenho certezas sobre a obrigatoriedade da frequência mas tenho a maior convicção no sentido de que garantir a universalidade do acesso à educação pré-escolar aos três anos e criar respostas de qualidade, acessíveis, logística e economicamente, às famílias para as crianças dos zero aos três anos é imprescindível e urgente. Acentuo também a ideia de que este período, até aos três anos, deveria também estar sob tutela do Ministério da Educação e não da Segurança Social pois o acolhimento das crianças deve estar abrangido por um forte princípio de intencionalidade educativa.
Sabemos como o desenvolvimento e crescimento equilibrado e positivo dos miúdos é fortemente influenciado pela qualidade das experiências educativas nos primeiros anos de vida, quer familiares, quer institucionais, de pequenino é que ...
No entanto e como o Relatório do CNE mostra, começa a ser necessário repensar os tempos da escola, que caminha mesmo para "escola a tempo inteiro" com uma overdose que não é saudável para ninguém mas uma consequência das dificuldades de concertação entre vida familiar e vida profissional de muitas famílias. Sobra para as crianças e este entendimento não tem qualquer juízo de culpabilização para a maioria das famílias que, evidentemente, não têm alternativa.
Assim, existem áreas na vida das pessoas que exigem uma resposta e uma atenção que sendo insuficiente ou não existindo, se tornam uma ameaça muito séria ao futuro, a educação de qualidade para os mais, familiar e institucional insisto, é uma delas.
No entanto e mais uma vez, a educação pré-escolar é bastante mais que a “preparação” para a escola e não deve ser entendida como uma etapa na qual os meninos se preparam para entrar na escola embora se saiba do impacto positivo que assume no seu trajecto escolar.
Na verdade, as crianças estão a preparar-se para entrar na vida, para crescer, para ser. A educação pré-escolar num tempo em que as crianças estão menos tempo com as famílias tem um papel fundamental no seu desenvolvimento global, em todas as áreas do seu funcionamento e na aquisição de competências e promoção de capacidades que têm um valor por si só e não entendidos como uma etapa preparatória para uma parte da vida futura dos miúdos, a vida escola.
Este período, a educação pré-escolar, educação de infância numa formulação mais alargada, cumprido com qualidade e acessível a todas as crianças, será, de facto, um excelente começo da formação institucional das pessoas, dos cidadãos. Esta formação é global e essencial para tudo o que virão a ser, a saber e a fazer no resto da sua vida.

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