domingo, 3 de novembro de 2019

AINDA O PLANO DE NÃO RETENÇÃO NO ENSINO BÁSICO


No Público encontra-se um trabalho sobre a questão da retenção que, sobretudo no ensino básico, apesar do abaixamento ainda atinge valores significativos. Sobre a mesma questão existe uma entrevista com o Ministro da Educação que também aborda a matéria insistindo nos programas já em desenvolvimento, referindo-se em paricular o Apoio Tutorial Específico.
Há poucos dias e a propósito de no Programa do Governo constar a criação de “um plano de não retenção no ensino básico” tive oportunidade de aqui colocar umas notas sobre esta matéria.
Pensei não recuperar o texto dada a proximidade, mas a leitura dos comentários a estas notícias são inquietantes pela ignorância, equívocos e preconceito embora possa perceber as reacções de expressas em alguns desses comentários quando se referem a tentação de promover “sucesso” que não corresponda efectivamente a aprendizagens realizadas. 
Assim, retomo o que escrevi há dias.
Era previsível uma referência ao abaixamento da retenção, é um desígnio de há décadas e apesar disso ainda é um problema significativo. Algumas notas.
Deixem-me recordar que em 2018, o CNE no âmbito do Projecto aQeduto em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos divulgou um Relatório “Estado da Educação, 2017” em que se analisava a questão da retenção incluindo do ponto de vista económico.
Adaptando o modelo desenvolvido pela Education Endowment Foundation, o Projecto aQeduto identificou o grau de eficácia e custo económico de um elenco de medidas de combate ao insucesso. Das medidas analisadas, a retenção tem o custo mais elevado (6000€) e a eficiência é negativa, promove um atraso de 4 meses. Ensinar a estudar é a medida mais económica, 87€, e mais eficiente, promove um ganho de 8 meses de aprendizagem.
De facto, definitivamente, não adianta discutir se o chumbo transforma o insucesso em sucesso. Não transforma, repetir só por repetir não produz sucesso, aliás gera mais insucesso conforme os estudos mostram.
Confesso sempre alguma surpresa e dificuldade em compreender quando ao discutir-se os efeitos pouco positivos da retenção algumas vozes, mesmo dentro do universo da educação, clamam que se está a promover o "facilitismo" ou a defender que "então passam sem saber". A leitura das caixas de comentários às notícias sobre estas questões é elucidativa.
Nesta conformidade e repetindo-me a questão central não é o chumba, não chumba, e quais os critérios ou o número de exames, mas sim que tipo de apoios, que medidas e recursos devem estar disponíveis para alunos, professores e famílias desde o início da percepção de dificuldades com o objectivo de evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo.
Este discurso não tem rigorosamente a ver com "facilitismo" e, muito menos, com melhoria "administrativa" das estatísticas da educação, uma tentação a que nem sempre se resiste. Pelo contrário, “facilitismo” é acreditar que a retenção resolve o problema do insucesso.
É essencial promover e tornar acessíveis a alunos, professores e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É fundamental não esquecer que o insucesso continua a atingir fundamentalmente os alunos oriundos de famílias com pior condição económica e social pelo que inibe o objectivo da mobilidade social. A associação entre o insucesso e a pobreza em Portugal é, aliás, a mais forte entre os países europeus.
É necessário também diversificar percursos de formação com diferentes modelos curriculares e carga lectiva finalizando sempre com algum tipo formação profissional. Esta diferenciação não deve acontecer em idades precoces criando percursos irreversíveis de "segunda" para os "sem jeito para a escola" e "preguiçosos".
A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, sim, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores, com a definição de currículos adequados, com a estruturação de dispositivos de apoio a alunos e professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.
Acrescento uma referência particular ao programa de Apoio Tutorial Específico referido pelo Ministro na entrevista.
É reconhecido através das boas práticas já existentes em muitas escolas e de estudos nacionais e internacionais que os programas de natureza tutorial são ferramentas sólidas e eficazes para acomodar e responder a dificuldades de alunos e professores nos processos de ensino e aprendizagem.
A questão é que o Programa em desenvolvimento estabelece quatro horas semanais por professor tutor para 10 alunos o que considerando os objectivos e o perfil de intervenção definido é manifestamente insuficiente. Talvez o empenho, a competência e profissionalismo da generalidade dos professores envolvidos minimizem insuficiências e sustentem resultados.
Como também aqui escrevi, não será certamente por acaso que um dos Projectos da Iniciativa Educação apresentada na semana que passou e coordenada por Nuno Crato destinado à área da literacia tem como estratégia privilegiada o apoio tutorial mas cada professor tutor terá um máximo de 3 alunos e estes terão entre 3 e 5 sessões semanais de 30 a 45m.
A diferença para o Programa em curso da responsabilidade do ME é enorme.
Veremos como irá decorrer o “plano de não retenção no ensino básico”.

5 comentários:

Luís Silva disse...

"A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, sim, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores"

Ou seja, mais importante do que avaliar corretamente os alunos, é avaliar o trabalho do professor, sendo que o certo é que os alunos passem seja lá como for... Está tudo dito. O resto é retórica bem falante para atirar areia para os olhos.

Gabriel Coelho disse...

Luís Silva, em lugar algum neste texto ou noutro sítio qualquer encontrei a opinião de que é mais importante avaliar os professores do que os alunos ou de que estes devem passar seja lá como for. Em lado algum isso está escrito. O seu comentário é pura demagogia. Desonesto, para não usar uma palavra mais forte. Penso que fica bem claro quem está a falar seriamente e quem está realmente a tentar atirar areia para os olhos.

Zé Morgado disse...

Caro Luís Silva o seu comentário, que agradeço, mostra um dos problemas da literacia em Portugal, muitos de nós lemos o que queremos ler e não o que está escrito. Mas ler ... é sempre bom.

Luís Silva disse...

A citação que coloquei no início do meu comentário, bem assinalada com as respetivas aspas, explica o meu ponto de vista.
Não vou responder ao resto, pois quando em vez de se debater a opinião, se escreve ou se insinua sobre características de uma pessoa que não se conhece... é bastante demonstrativo da falta de argumento sobre o ponto de vista em questão e em debate.

Zé Morgado disse...

Olá Luís, eu escrevi como você cita "A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, sim, naturalmente, mas também com a avaliação do trabalho dos professores", não escrevi como você afirma que "mais importante do que avaliar corretamente os alunos, é avaliar o trabalho do professor, sendo que o certo é que os alunos passem seja lá como for," Não foi de todo o que afirmei. É só esta questão, obrigado por comentar.