segunda-feira, 18 de novembro de 2019

EDUCAÇÃO, SABER E OPINIÃO


O que tem sido discutido publicamente nas últimas semanas a propósito da retenção dos alunos no ensino básico mostra mais uma vez algo que tem vindo a acontecer há algum tempo. De facto, com uma impressionante regularidade continua a verificar-se a facilidade com que imensa gente, designadamente, a que tem acesso ou “reside” num qualquer meio de comunicação social emite comentários e análises sempre com um enunciado conclusivo sobre o universo da educação seja qual for a temática, agora a retenção, mas também recentemente as questões de natureza profissional que envolvem os professores ou a chamada "educação inclusiva". É verdade que o universo da educação, para além de outras áreas do conhecimento científico, envolve toda a comunidade, mas esta evidência não explica tudo.
Por outro lado, quando troco opiniões com pessoas com formação de áreas diferenciadas que não as Ciências Sociais, designadamente Educação ou Psicologia, áreas que conheço melhor, sobre matérias do seu universo de formação ou intervenção, percebo que frequentemente os meus interlocutores desvalorizam o que exprimo pois não lhe reconhecem “saber” ou “ciência”, apenas opinião.
No entanto, quando falo de assuntos da minha área de estudo de décadas, Psicologia e Educação, qualquer que seja a sua formação, muitos dos interlocutores afirmam com a maior das convicções opiniões sólidas e seguras sobre o que está em discussão e assumem com toda a segurança essas opiniões como “saber”.
Quando era mais novo ainda tentava argumentar com base no que a ciência nestas áreas vai produzindo, mas dada a falta de efeito vou desistindo, já não estranho os "eu acho" ou a variante "cá para mim".
Na verdade, “mete-me espécie” que engenharia, biologia, economia, medicina, etc., etc., sejam áreas de “saber” e que educação ou psicologia, como outras ciências chamadas "sociais", sejam percebidas não como áreas de saber mas como áreas de opinião que, naturalmente, qualquer pessoa pode expressar e, assim, passar a ser “saber”.
Aliás, até já tenho visto referências às Ciências da Educação escritas com aspas e, frequentemente, com sentido pejorativo. Foi patente nos últimos anos a emergência de discursos diabolizando as “ciências da educação” identificando-as como o eixo do mal responsável pelo que de mau vai acontecendo no mundo da educação. Elucidativo. Seria estranho, no mínimo, alguém afirmar que o que se sabe e estuda em engenharia num qualquer ramo é prejudicial … à engenharia.
“Mete-me espécie” ainda que o que afirmo dentro da minha área não seja percebido como saber, não seja percebido como conhecimento, seja uma opinião e, como tal, passível de discussão com base noutra opinião enquanto o discurso do meu interlocutor sobre a sua área de intervenção seja “saber” pelo que um leigo como eu não o pode abordar de forma séria.
Não é grave que se construa opinião sobre qualquer assunto da nossa vida. É desejável e estimulante para toda a gente que assim seja. O que me “mete espécie” é que se entenda que opinião é ciência ou, quando convém, que a ciência não é ciência é opinião e como tal deva ser tratada.
Ao fim de quarenta anos de lida profissional já estou mais habituado, mas lá que me “mete espécie” e cansa … é verdade. É a minha opinião.

1 comentário:

Jose Camacho disse...

Todos passaram de alguma forma pelo sistema de educação, por conseguinte têm uma perspectiva pessoal do tema e uma série de ideias formadas sobre o que deve ou não ser. Normalmente a certeza das opiniões é inversamente proporcional à profundidade do conhecimento que a pessoa tem em determinada área. A educação é particularmente vulnerável porque as pessoas têm essa experiência pessoal e não estão abertas a que os seus "saberes" sejam postos à prova, pela fragilidade dos mesmos (têm opiniões superficiais baseadas em coisa nenhuma, que não sabem explicar se forem sujeitas ao mais básico escrutínio). O que nos leva a outro debate, que é o da falta de preparação da comunicação social e não questionamento de quem faz afirmações sem base que as sustente. Como exemplo, no outro dia alguém fez uma afirmação factualmente falsa. Quando questionada disse que essa era a sua "percepção" e que tinha direito a ela (não discuto esse direito, apenas que essa opinião não tem nem pode ter o mesmo peso que saberes específicos naquele campo. Mostrei vários artigos científicos de diversas universidades que corroboravam a minha posição. No fim, a pessoa disse "isso não interessa porque não é isso que eu vejo na minha vida". Confesso que desisti.