terça-feira, 16 de outubro de 2018

EDUCAÇÃO E AUTONOMIA


Nas minhas regulares conversas com pais e encarregados de educação, seja qual for o pretexto do encontro, surgem inevitavelmente o que brincando chamo de perguntas proibidas. Quase sempre depois de uma pequena introdução começam assim “A partir de que idade o meu filho(a) pode …?”. Como calculam o final da questão tem múltiplas variações, “pode brincar na rua”, “pode sair à noite, “pode ir sozinho(a) para a escola?”, “pode ficar só em casa?”, etc.
Vem esta introdução a propósito  de uma peça no JN sobre a “idade certa para os filhos receberem a chave de casa”.
Já tenho colaborado em trabalhos na imprensa sobre estas questões e, na verdade, não entendo que existam respostas definitivas para questões desta natureza, sendo certo que a segurança e bem-estar das crianças devem ser uma prioridade absoluta. Daí referir-me a “perguntas proibidas”, os pais solicitam uma orientação precisa e que lhes transmita segurança o que se torna, evidentemente, impossível.
Para além de aspectos mais globais a que já volto, em muitas circunstâncias os estilos e condições de vida em pressionam os pais par decisões neste âmbito que que sentem como fáceis, recordo que no que diz respeito ao ficar só em casa que muitas famílias se confrontam com sérias dificuldades para assegurar a guarda dos filhos durante os prolongados horários laborais.
Retomando uma reflexão mais geral, do meu ponto de vista, a questão central nestes processos é a autonomia de crianças, adolescentes e jovens e a forma como a promovemos ... ou não.
De há muito e sempre que penso ou falo de educação me lembro de um texto de Almada Negreiros em que se afirma "... queria que me ajudassem para que fosse eu o dono de mim, para que os que me vissem dissessem: Que bem que aquele soube cuidar de si". Este enunciado ilustra, do meu ponto de vista, a essência da educação, seja familiar ou escolar, em qualquer idade.
De facto, o que se pretende num processo educativo será a construção de gente que sabe tomar conta de si própria da forma adequada à idade e à função que em cada momento se desempenha. Este entendimento traduz-se num esforço contínuo de promover a autonomia das crianças e jovens para que "saibam tomar conta de si próprios", no fundo, a velha ideia de, "ensinar a pescar, em vez de dar o peixe".
Parece-me fundamental que adoptemos comportamentos que favoreçam esta autonomia dos miúdos e dos jovens. No entanto, é minha convicção que por razões que se prendem com os estilos de vida, com os valores culturais e sociais actuais, com as alterações das sociedades, questões de segurança, por exemplo, estamos a educar os nossos miúdos de uma forma que não me parece, em termos genéricos, promotora da sua autonomia. A rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente), os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento e promoção dessa autonomia. É neste contexto que devem ser colocadas, trabalhadas e decidas as dúvidas sobre o que criança ou adolescente pode ou não fazer só.
Por outro lado, os miúdos são permanentemente bombardeados com saberes e actividades que serão obviamente importantes para o seu desenvolvimento e para o seu futuro mas, ao mesmo tempo, são miúdos, pouco autónomos, pouco envolvidos nas decisões que lhes dizem respeito cumprindo agendas que lhes não dão margem de decisão sobre o quê e o porquê do que fazemos ou não fazemos. Acabam por se tornar menos capazes de decidir sobre o que lhes diz respeito, dependem da "decisão de quem está à sua volta, companheiros ou adultos.
Um exemplo, para clarificar. Um adolescente não habituado a tomar decisões, a fazer escolhas, mais dificilmente dirá não a uma oferta de um qualquer produto ou um a convite de um colega para um comportamento menos desejável. É mais difícil dizer não do que dizer sim aos companheiros da mesma idade. Num sala de aula é bem mais provável que um adolescente tenha um comportamento adequado porque "decida" que é assim que deve ser, do que por "medo" das consequências.
Só crianças, adolescentes e jovens autónomos, autodeterminados, informados e orientados sobre os riscos e as escolhas serão mais capazes de dizer não ao que se espera que digam não e escolher de forma ajustada o que fazer ou pensar em diferentes situações do seu quotidiano, na sala de aula, no bairro ou em casa. Este entendimento sublinha a importância de em todo processo de educação, logo de muito pequeno, em casa e na escola, se estimular a autonomia dos miúdos. É que se eles não tomarem bem conta se si passaremos, pais e professores, boa parte do tempo a "tomar conta deles" e ... muitas vezes não conseguimos.
Creio que este entendimento está pouco presente em muito do que fazemos em matéria de educação familiar ou escolar e para todos os miúdos.
Todos beneficiariam, miúdos e adultos.

Sem comentários: