Nas minhas regulares conversas
com pais e encarregados de educação, seja qual for o pretexto do encontro,
surgem inevitavelmente o que brincando chamo de perguntas proibidas. Quase
sempre depois de uma pequena introdução começam assim “A partir de que idade o
meu filho(a) pode …?”. Como calculam o final da questão tem múltiplas
variações, “pode brincar na rua”, “pode sair à noite, “pode ir sozinho(a) para
a escola?”, “pode ficar só em casa?”, etc.
Vem esta introdução a propósito de uma peça no JN sobre a “idade certa para os filhos receberem a chave de casa”.
Já tenho colaborado em trabalhos
na imprensa sobre estas questões e, na verdade, não entendo que existam
respostas definitivas para questões desta natureza, sendo certo que a segurança
e bem-estar das crianças devem ser uma prioridade absoluta. Daí referir-me a “perguntas
proibidas”, os pais solicitam uma orientação precisa e que lhes transmita segurança
o que se torna, evidentemente, impossível.
Para além de aspectos mais
globais a que já volto, em muitas circunstâncias os estilos e condições de vida
em pressionam os pais par decisões neste âmbito que que sentem como fáceis, recordo
que no que diz respeito ao ficar só em casa que muitas famílias se confrontam
com sérias dificuldades para assegurar a guarda dos filhos durante os
prolongados horários laborais.
Retomando uma reflexão mais geral,
do meu ponto de vista, a questão central nestes processos é a autonomia de
crianças, adolescentes e jovens e a forma como a promovemos ... ou não.
De há muito e sempre que penso ou
falo de educação me lembro de um texto de Almada Negreiros em que se afirma
"... queria que me ajudassem para que fosse eu o dono de mim, para que os
que me vissem dissessem: Que bem que aquele soube cuidar de si". Este
enunciado ilustra, do meu ponto de vista, a essência da educação, seja familiar
ou escolar, em qualquer idade.
De facto, o que se pretende num
processo educativo será a construção de gente que sabe tomar conta de si
própria da forma adequada à idade e à função que em cada momento se desempenha.
Este entendimento traduz-se num esforço contínuo de promover a autonomia das
crianças e jovens para que "saibam tomar conta de si próprios", no
fundo, a velha ideia de, "ensinar a pescar, em vez de dar o peixe".
Parece-me fundamental que
adoptemos comportamentos que favoreçam esta autonomia dos miúdos e dos jovens.
No entanto, é minha convicção que por razões que se prendem com os estilos de
vida, com os valores culturais e sociais actuais, com as alterações das
sociedades, questões de segurança, por exemplo, estamos a educar os nossos
miúdos de uma forma que não me parece, em termos genéricos, promotora da sua
autonomia. A rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente), os
desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de
desenvolvimento e promoção dessa autonomia. É neste contexto que devem ser
colocadas, trabalhadas e decidas as dúvidas sobre o que criança ou adolescente
pode ou não fazer só.
Por outro lado, os miúdos são
permanentemente bombardeados com saberes e actividades que serão obviamente
importantes para o seu desenvolvimento e para o seu futuro mas, ao mesmo tempo,
são miúdos, pouco autónomos, pouco envolvidos nas decisões que lhes dizem
respeito cumprindo agendas que lhes não dão margem de decisão sobre o quê e o
porquê do que fazemos ou não fazemos. Acabam por se tornar menos capazes de
decidir sobre o que lhes diz respeito, dependem da "decisão de quem está à
sua volta, companheiros ou adultos.
Um exemplo, para clarificar. Um
adolescente não habituado a tomar decisões, a fazer escolhas, mais dificilmente
dirá não a uma oferta de um qualquer produto ou um a convite de um colega para
um comportamento menos desejável. É mais difícil dizer não do que dizer sim aos
companheiros da mesma idade. Num sala de aula é bem mais provável que um
adolescente tenha um comportamento adequado porque "decida" que é
assim que deve ser, do que por "medo" das consequências.
Só crianças, adolescentes e
jovens autónomos, autodeterminados, informados e orientados sobre os riscos e
as escolhas serão mais capazes de dizer não ao que se espera que digam não e
escolher de forma ajustada o que fazer ou pensar em diferentes situações do seu
quotidiano, na sala de aula, no bairro ou em casa. Este entendimento sublinha a importância de em todo processo de
educação, logo de muito pequeno, em casa e na escola, se estimular a autonomia
dos miúdos. É que se eles não tomarem bem conta se si passaremos, pais e professores, boa parte do tempo a "tomar conta deles" e ... muitas vezes não conseguimos.
Creio que este entendimento está
pouco presente em muito do que fazemos em matéria de educação familiar ou escolar
e para todos os miúdos.
Todos beneficiariam, miúdos e
adultos.
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