A entrevista de Robbie Gilligan no Público sobre a questão das crianças à guarda do Estado merece reflexão e,
sobretudo, acção considerando que “Só 3% das crianças retiradas às famílias
estão com famílias de acolhimento”.
Recordo que em 2015 foi publicada
legislação que estabelece o quadro das famílias de acolhimento para crianças em
risco mas, três anos depois a lei continua por regulamentar.
Esta situação inibe o
desenvolvimento de projectos que colocar em contextos familiares crianças que
por situações de risco foram retiradas às famílias biológicas e ainda não estão
em processo de adopção e vivem em instituições.
A lei pretende contrariar que a institucionalização seja a resposta mais frequente,
sobretudo no caso das crianças mais novas, até aos seis anos.
Não sendo ainda conhecidos os
dados de 2017, em 2016 estavam sob tutela do estado 8175 crianças, um número
que continua demasiado elevado. Destas, apenas 261, 3.1%, estavam com famílias
de acolhimento apesar da lei determinar a prioridade ao acolhimento numa
família relativamente à estadia numa instituição e 18 tinham até 5 anos sendo
que nesta idade 969 estavam institucionalizadas. A colocação numa família de
acolhimento decorre enquanto se tenta a reintegração na família biológica ou a
adopção.
O número de crianças nesta
situação é demasiado baixo e, lamentavelmente, tem vindo a decrescer, em 2008
viviam com famílias 657 crianças.
Não tenho conhecimento que a
situação tenha sido alterada, a lei não foi regulamentada, e o quadro actual é
ineficaz e incompreensível e muito pouco amigável para o acolhimento familiar.
Uma família de acolhimento de uma criança recém-nascida não tem direito a
licença de parentalidade. Não tem protecção no trabalho para faltas em caso de
doença da criança e não a pode considerar em sede de IRS. A criança não recebe
abono de família nem acede aos dispositivos da Acção Social Escolar.
No que respeita a apoios
económicos, sim, as crianças são particularmente caras em Portugal, as famílias
recém um subsídio mensal de 153.40€ e mais 176.89€ da Segurança Social, pouco
mais de 330€ mensais. Ainda passa recibo verde e paga três prestações de 157.
Curiosamente, ou talvez não, e de
forma inaceitável pela disparidade de tratamento as instituições que acolhem
crianças recebem em média 700€ por cada e as crianças têm acesso à Acção Social
Escolar e abono de família(?!).
Percebe-se também por isto o
baixo número de crianças em famílias de acolhimento e o número excessivo das
que se mantêm institucionalizadas.
Em nome do seu bem-estar seria desejável
que se conseguisse até ao limite promover a sua desinstitucionalização das
crianças por múltiplas e bem diversificadas razões.
Recordo um estudo da Universidade
do Minho mostrando que as crianças institucionalizadas revelam, sem surpresa,
mais dificuldade em estabelecer laços afectivos sólidos com os seus cuidadores
nas instituições. Esta dificuldade pode implicar alguns riscos no
desenvolvimento dos miúdos e no seu comportamento.
A conclusão não questiona,
evidentemente, a competência dos técnicos cuidadores das instituições, mas as
próprias condições de vida institucional e aponta no sentido da adopção ou
outros dispositivos como forma de minimizar estes riscos e facilitar os
importantes processos de vinculação afectiva dos miúdos. Também deve acentuar-se
o trabalho de grande qualidade que muitas instituições procuram desenvolver.
Além disso, sabemos todos, que existem contextos familiares que por razões de
ordem variada não devem ter crianças no seu seio, fazem-lhes mal, pelo que a
retirada pode ser uma necessidade justificada pelo superior interesse da
criança, um princípio estruturante das decisões neste universo.
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