Parecia que estava a assistir ao
desfilar do mundo como se estivesse no centro de um carrossel que girava com
imagens, cenas que ora se repetiam, ora se renovavam.
Via pessoas, pareciam gente de
poder, a dizer qualquer coisa que só eles entendiam assim, para logo a seguir
dizerem o contrário sendo entretanto contrariados por outros parecidos com eles
que numa cacofonia incompreensível gritavam sem se ouvir.
Via gente que passava na rua sem
ter um destino mas sem conseguir refrear um passo que agitadamente as levava a
lado nenhum.
E corriam miúdos que gritavam sem
que ninguém parecesse ouvi-los. Alguns deles envolviam-se em lutas que não
pareciam incomodar quem ia passando.
Também desfilavam velhos que, sem
dar por isso, já não estavam vivos mas de que ninguém parecia sentir falta ou
inquietação.
E via muita gente que parecia
procurar desesperadamente algo que tinham perdido ou que lhes tinha sido
roubado. Aproximou-se um pouco e percebeu que se tratava da dignidade. Aquela
gente tentava, sem sucesso, recuperar o seu bem mais precioso, o sustento da
existência, a dignidade.
E as cenas sucediam-se como se se
tratasse de um turbilhão enlouquecido, de curtas e trágicas animações com gente
real.
Começou a sentir-se mal, cada vez
pior. A certa altura, quando a velocidade sôfrega do desfile estava a atingir o
limite do suportável e se sentia a explodir, acordou, tenso, assustado. Tinha
sido apenas um pesadelo, mas estava na hora.
Levantou-se, sem fazer ruído para
não acordar a mulher e os filhos, arrumou-se da forma possível por dentro e por
fora e foi apanhar o comboio suburbano que todos os dias às sete da manhã o
leva para o centro da cidade. Para aquele escritório onde se esconde de si e do
mundo há muitos anos.
Sem comentários:
Enviar um comentário