Como diz Tolstoi em “Anna
Karenina”, “as famílias felizes parecem-se todas. As famílias infelizes o são
cada uma à sua maneira”.
Acontece ainda que nas famílias
infelizes quase sempre as crianças são ainda mais infelizes.
Vem esta a introdução a propósito
de uma peça do JN sobre uma questão que não tem o relevo que merece. Em cada
ano e em termos médios 10 crianças ou adolescentes ficam órfãs na sequência de um
episódio de violência doméstica. Muitos porque perdem a mãe por homicídio
realizado por marido ou companheiro, outros porque os pais foram presos ou se
suicidaram após o crime. Não é necessário sublinhar o impacto destas situações
na vida de crianças e adolescentes.
Para além desta situação devastadora, julgo importante
também chamar a atenção para o número de crianças que assistem a
cenas de violência doméstica e dos efeitos dessas vivências.
Como indicador recordo que
segundo o Relatório relativo a 2016 produzido pela Comissão Nacional de
Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças, cerca de 12 000 crianças estão
expostas a situações que as marcam negativamente, violência doméstica, o que
constituiu, aliás, a maior justificação para sinalização às CPCJ, cerca de 30%.
Para além de sublinhar os danos
potenciais que esta exposição pode provocar nas crianças gostava de chamar a
atenção para um outro potencial efeito nas crianças que assistem a episódios,
por vezes violentos, de violência doméstica, os modelos de relação pessoal que
são interiorizados. Aliás, nos últimos anos tem-se verificado que a maioria das
queixas de violência doméstica é apresentada por mulheres jovens o que permite
pensar em crianças pequenas que assistirão a estes episódios.
Numa avaliação por defeito aos
casos participados de violência doméstica estima-se que cerca de metade serão
testemunhados por crianças. Se considerarmos que existem muitíssimas situações
não reportadas, pode concluir-se que estas testemunhas, por vezes também
vítimas, serão em número bem mais elevado.
Este quadro lembra o velho adágio
"Filho és, pai serás", ou seja, num processo de modelagem social
muitas crianças tenderão a replicar ao longo da sua vida, em adultos também, os
comportamentos a que assistiram e que, tal como podem produzir efeitos
traumáticos, poderão adquirir aos seus olhos, infelizmente, um estatuto de
normalidade.
Não é certamente por acaso que
estudos recentes em Portugal evidenciaram números elevadíssimos de violência em
casais de jovens namorados universitários, uma população já com níveis de
qualificação significativos.
Neste contexto e com o objectivo
de contrariar uma espécie de fatalidade em círculo vicioso, os miúdos assistem
à violência doméstica, replicam a violência, a sociedade é violenta, quando
crescem são violentos em casa, e assim sucessivamente, importa que os processos
educativos e de qualificação sublinhem a dimensão, a formação cívica e o quadro
de valores.
Não é nada de novo, a afirmação
desta necessidade.
A questão é que o próprio
discurso social e político sobre a escola e sobre os professores não me parece
contribuir para que se possa encarar a escola com a confiança necessária a que
possa cumprir o seu papel e contribuir para quebrar o círculo vicioso do
processo de modelagem social envolvido.
Acresce que a intervenção junto
das famílias e a tentativa de contrariar dinâmicas disfuncionais, violência
doméstica por exemplo, não dispõe dos meios e recursos suficientes.
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