segunda-feira, 26 de março de 2018

ESTAS CRIANÇAS NÃO PARAM! ERRADO, ESTAS CRIANÇAS NÃO SE MEXEM. De novo


O Parlamento aprovou na semana passada duas recomendações ao Governo no sentido de promover o reforço da carga lectiva da disciplina de Educação Física.
A construção da matriz horária dos currículos em cada ciclo de escolaridade é uma tarefa complexa, envolve múltiplas variáveis, visões de educação e objectivos e até mesmo alguma “paixão”.
Acresce que não tendo qualquer competência especializada em matéria de currículo e ainda menos no que respeita à Educação Física pelo que nesta matéria apenas me parece de reafirmar a importância destas actividades na qualidade de vida dos mais novos e o pouco espaço que ocupa no seu quotidiano.
Retomo notas já expressas a propósito da divulgação no início de Fevereiro da posição do Conselho Nacional das Associações de Professores e de Profissionais de Educação Física alertando para que boa parte dos alunos do 1 º ciclo, por razões de natureza diversa e apesar de algumas boas práticas e iniciativas, não realizam regularmente actividades de Educação Física.
Como afirmei na altura é curioso que uma das mais frequentes afirmações dirigidas ao comportamento das crianças e adolescentes é “Estas crianças não param”, ou algo no mesmo sentido. Na verdade, apesar da frequência da sua utilização, parece-me claramente desajustada pois, de facto, as crianças não se mexem e, também por isso provavelmente ... "não páram".
Segundo o Relatório “Health at a Glance: Europe 2016” em Portugal mais de uma em cada quatro crianças tem excesso de peso. Nas raparigas ultrapassa os 30% e nos rapazes temos 25%.
Acresce que no que respeita à actividade física e considerando a recomendação da OMS de uma hora diária de actividade física aos 11 anos só 16% das raparigas e 26% dos rapazes cumprem e aos 15 anos temos 5% das raparigas e 18% dos rapazes.
Creio ainda de sublinhar que estudos realizados em Portugal mostram que a obesidade infantil, um dos valores mais altos da UE, é já um problema de saúde pública, implicando por exemplo o disparar de casos de diabete tipo II em crianças.
Apesar de parecer uma birra ou teimosia acho sempre importante sublinhar a importância que deve merecer a questão dos hábitos alimentares e o combate ao sedentarismo, sobretudo nos mais novos.
Ainda no que respeita à actividade física, um trabalho da Universidade de Coimbra divulgado em 2013 sublinhava, mais uma vez, o impacto que o sedentarismo tem na saúde das crianças. Este estudo envolveu 17424 crianças entre os 3 e os 11 anos e mostrou a forte relação entre hábitos fortemente sedentários, ver televisão por exemplo, e obesidade infantil e óbvias consequências na saúde e bem-estar dos miúdos.
Um outro trabalho de 2012 da Faculdade de Motricidade Humana envolvendo cerca de 3000 alunos que evidenciava o efeito positivo da actividade física no rendimento escolar para além dos benefícios óbvios na saúde.
De registar ainda que apesar da simpatia do clima somos um dos países com menor prática de actividades de ar livre.
De facto, o quotidiano de crianças e adolescentes está excessivamente preenchido com actividades que solicitam pouca actividade física, numa escola a tempo inteiro em que, apesar de boas práticas que existem, passam horas sem fim em salas com actividades “fantásticas” sempre sentados ou, quase, parados.
Em casa, o cenário é do mesmo tipo só que em frente de um ecrã. Os estudos comprovam que o nível de actividade física de crianças e adolescentes está francamente abaixo do desejável para a sua faixa etária sendo, aliás, mais satisfatório em adultos e também baixo para os idosos. Por outro lado, este é o equívoco a que me referia, instalou-se a “ideia” de que as crianças e adolescentes não páram, são muito activas, até mesmo “hiperactivas” pelo que os desejos de muitos pais e professores é que estejam mais “calmas”, mais “sossegadas” e não tão “activas”, às vezes até se medicam para que se aquietem.
Por isso e de uma vez por todas, que crianças e adolescentes não parem, que as não envolvam e incentivem a actividade sedentária tantas horas por dia e que ajudemos todos pais e comunidades a construir alternativas que sejam atractivas para os tempos dos mais novos.
É uma questão de saúde, física e mental, para crianças e adolescentes e, também, para os adultos que lidam com eles.
Quanto à carga horária da Educação Física adequada em cada ano idade dos alunos, dos seus conteúdos curriculares e metodologias de trabalho deixo para os especialistas mas, por favor, ponham os miúdos a mexer-se.

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