No âmbito da apreciação em
Tribunal da continuidade da apresentação do programa “Supernanny” pela SIC a
psicóloga Rute Agulhas tece duras críticas à dimensão deontológica e científica
da intervenção da psicóloga, mascarada de qualquer outra coisa, que “faz” de “Supernanny”.
Considera ainda que o formato utilizado configura maus-tratos às crianças que
participem.
Como já tive também oportunidade
de afirmar por aqui e em espaços de comunicação social não tenho nenhuma dúvidasobre isto.
Sou dos que entendo que matérias
como a educação devem ser abordadas na comunicação social, aliás, entendo que
temos um défice nessa matéria quer, na forma como por vezes são abordadas e nos critérios de escolha, quer na atenção, pouca, que lhe é dada.
No entanto também defendo que que a abordagem destas matérias, designadamente por parte dos profissionais da área, para além dos aspectos científicos deve acautelar questões de natureza ética e deontológica. Nenhuma dúvida sobre isto. Deve ainda ser muito prudente no enunciar de mensagens prescritivas evitando a ideia da “receita” infalível para problemas ou situações das quais se não conhecem todas as variáveis. Não é assim que se pode ajudar as pessoas.
No entanto também defendo que que a abordagem destas matérias, designadamente por parte dos profissionais da área, para além dos aspectos científicos deve acautelar questões de natureza ética e deontológica. Nenhuma dúvida sobre isto. Deve ainda ser muito prudente no enunciar de mensagens prescritivas evitando a ideia da “receita” infalível para problemas ou situações das quais se não conhecem todas as variáveis. Não é assim que se pode ajudar as pessoas.
No entanto é assim que talvez se
conquistem audiências mas não pode valer tudo, muito menos aproveitando mal-estar
de crianças e adultos.
Procuro não esquecer este
entendimento na colaboração regular que eu também desenvolvo.
É tudo isto que me parece estar
em causa nesta série. Do meu ponto de vista e tal como se entendeu noutros
países, o conteúdo e a forma como as questões são tratadas podem ferir, eu acho
que ferem, regras de deontologia, ética e de prudência científica da
psicologia, a minha área de intervenção, como alguns saberão. Aliás, a própria
Ordem dos Psicólogos Portugueses expressou uma posição de sérias reservas como
também Rute Agulhas sublinhou em Tribunal.
Toda esta situação radica em algo
que tem vindo a verificar-se, alguns excessos nos discursos sobre a
"instrução" e "educação" e as questões novas que as
mudanças nos valores e nos estilos de vida colocam levam a que alguns pais
sintam algumas dificuldades no seu trabalho de pais e a que muito técnicos
tenham tentação de fornecer um "manual de instruções" que promoverá a
educação perfeita da criança perfeita.
É verdade que contrariamente ao
que acontece com todos os bens, até por imposição comunitária, as crianças
continuam, felizmente, a ser providenciadas aos pais sem virem acompanhadas de
um manual de instruções, em várias línguas, preferencialmente.
Provavelmente por isso,
ultimamente tem-se verificado um aumento exponencial na publicação destes
"manuais" ou de peças na imprensa com a mesma intenção, ensinar-nos o
ofício de pais. São consideradas questões como lidar com birras, com os
problemas dos adolescentes, com a escola e os seus problemas, como lidar com os
filhos e com os amigos dos filhos, como comunicar com eles, como gerir os seus
gostos e as suas crises, como agir nas férias, como ocupar os fins-de-semana,
como dialogar em família, como perceber a “cabeça” dos mais novos, como definir
regras e disciplina, que alimentação e estilos de vida, como ocupar os tempos
livres, que actividades fazem melhor a quê, etc. etc. Todas estas matérias são
escrutinadas e analisadas de modo a fornecer, crê-se, um manual de instruções.
A imprensa, em diferentes
registos, acompanha a onda, em variadíssimas secções, colaborações e colunas de
aconselhamento providenciam-nos receitas, dicas, sugestões exactamente com o
mesmo objectivo mas em versão telegráfica. Dado que também colaboro
regularmente com a comunicação social a minha preocupação aumenta, coloca-me
dúvidas e tem motivado algumas recusas.
Este frenesim assentará na
maioria das situações na melhor das intenções, tornar-nos bons pais. Pela
avalanche de ajuda parece que não estamos a conseguir e a experiência mostra-me
que muitos pais se sentem assustados com alguns dos discursos que lhes são
dirigidos, tanto quanto com algumas das dificuldades que em algumas
circunstâncias sentem com os filhos em diferentes idades.
Existem para todos os gostos,
para todas as idades e escritos sob as mais variadas perspectivas. Tenho lido
muitos, uma parte acho interessantes e uma eventual ajuda para alguns pais e
para algumas questões, outros, devo confessar, deixam-me alguma inquietação,
não passam de um enunciado de "orientações prescritivas" longe das
circunstâncias de vida em que muitas famílias se movem.
Para além das ajudas que os pais
possam encontrar nestes "manuais de instruções" creio ser importante
sublinhar que, felizmente para todos nós, a começar pelas crianças, os pais
são, de uma forma geral, intuitivamente competentes, mais "asneira",
menos "asneira", mais uma "festinha", menos um
"ralhete" e a estrada cumpre-se sem grandes sobressaltos. Um discurso
social excessivo em torno da "psicologização" ou induzindo a ideia de
que só indo a uma "escola de pais" e lendo vários "manuais de
instruções" poderemos ser bons pais, pode ser mais fonte de problemas que
de ajuda.
Parece-me importante que os pais
falem entre si sobre as suas experiências, sem medo de que os julguem maus
pais, que na relação com os técnicos ligados à educação as conversas não
incidam quase que exclusivamente sobre "se está bem ou mal na
escola", mas que se abordem as questões educativas também no contexto
familiar de forma aberta e serena. Os "manuais de instruções" não são
a solução, são, muitos deles, apenas mais uma ajuda.
Pais atentos, pais confiantes,
são pais que educam sem especiais problemas. Curiosamente, alguns
"manuais" e alguns discursos "científicos" podem aumentar a
insegurança e a ansiedade de alguns pais.
Começo a sentir que está fazer
falta alguma tranquilidade e serenidade que devolvam aos pais a confiança em si
mesmos e na sua capacidade para exercer bem o papel. Sei que por vezes não é
fácil. Ser pai não é mobilizar de forma prescritiva um conjunto de “práticas”
receitadas por diferentes especialistas. É melhor deixar que os pais falem e
encontrem por si a forma de fazer. No fundo, a maioria saberá como, precisa
apenas de se sentir confiante e tranquilo. Os que verdadeiramente necessitarão
de ajuda serão bastante menos.
Outra vez, não precisamos de
“superpais” como também não precisamos de “superfilhos”.
Sem comentários:
Enviar um comentário