As participações de sobre
situações de crianças em risco à Linha SOS-Criança do Instituto de Apoio à Criança diminuíram 10% em 2017. No entanto, aumentaram as participações relativas
a abusos sexuais.
Sendo de registar a diminuição
global de participação, um sinal de uma comunidade mais atenta e protectora, é
preciso insistir e manter toda a capacidade de atenção e prevenção. Com alguma regularidade vão sendo conhecidas situações de abusos
sexuais sobre crianças e adolescentes, a maioria em situações envolvendo
familiares, amigos ou conhecidos da crianças ou famílias e também instituições
que lidam com as menores.
Esta circunstância decorre de um
aspecto que me parece fundamental não esquecer nunca e que os dados agora
divulgados também sustentam. A maioria dos abusos sexuais sobre crianças ocorre
nos contextos familiares e envolve família e amigos, não em instituições que,
provavelmente na sequência do caso Casa Pia, até se terão tornado mais atentas
e eficazes na prevenção de abusos, embora continuem, evidentemente, a acontecer
como tem sido divulgado. Os indicadores sugerem que entre 70 a 80% das
situações de abuso a responsabilidade é de alguém que a criança conhece e em
quem confia. Como diz Manuel Coutinho do IAC, "A família deve ser o local
mais seguro que a criança tem e por vezes é lá que corre os maiores
perigos".
Apesar das mudanças verificadas
em termos legais e processuais, a fragilidade ainda verificada na criação de
uma verdadeira cultura de protecção dos miúdos leva a que muitos estejam
expostos a sistemas de valores familiares que toleram e mascaram abusos com
base num sentimento de posse e usufruto quase medieval.
Muitas crianças em situação de
abuso no universo familiar ou por pessoas conhecidas ainda sentem a culpa da
denúncia das pessoas da família ou amigos, a dificuldade em gerir o facto de
que pessoas que cuidam delas lhes façam mal e a falta de credibilidade eventual
das suas queixas bem como das consequências para si próprias, uma vez que se
sentem quase sempre abandonadas e sem interlocutores em que possam confiar ou
ainda o medo das consequências da denúncia.
A este cenário acrescem os riscos
que as novas tecnologias vieram introduzir, sendo conhecidos cada vez mais
casos em que a internet é a ferramenta utilizada para construir o crime.
Neste quadro, para além da
eficiência do sistema de justiça, continua a ser absolutamente necessário que
as pessoas que lidam com crianças, designadamente na área da saúde e da
educação, sejam capazes de “ler” os miúdos e os sinais que emitem de que algo
de menos positivo se passa com eles.
Esta atitude de permanente,
informada e intencional atenção aos comportamentos e discursos dos miúdos é, do
meu ponto de vista, uma peça chave para minimizar a tragédia dos abusos sobre
as crianças e o enorme sofrimento provocado.
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