Era uma vez um Homem,
chamavam-lhe Só. A sua vida era, naturalmente, a vida de um Homem Só, raramente
falava com alguém a não ser quando era mesmo imprescindível.
Conseguiu até arranjar um
trabalho que podia realizar em casa, era tradutor, um bom tradutor, quase
sempre de ficção.
Saía uma vez por dia para as
compras da casa, entrava na loja do bairro onde conseguia tudo o que precisava
e onde, como sabiam que era um Homem Só, nem lhe faziam muitas perguntas.
Não sabiam, assim, que o Homem Só
tinha tido um tempo em que era só um Homem e não um Homem Só. Claro que ele
nunca iria falar com alguém sobre isso, doía-lhe demais, por isso, era um Homem
Só.
Com o tempo, o Só começou a pesar
no coração do Homem. Como já não conseguia falar com ninguém e tinha a
experiência dos livros, começou, com medo, a escrever um livro seu.
Já não traduzia o que alguém
escrevera, traduzia o que ele carregava. De início, não foi uma tarefa fácil,
mas, de mansinho, começou a gostar da ideia de criar um mundo dele no livro que
escrevia, um mundo que todos os dias crescia.
De tal forma se apaixonou, de
novo, que criou um personagem para ele e desapareceu no livro, no mundo que criara.
2 comentários:
Às vezes, num livro - mas não pode ser um livro qualquer - o mundo é tão diferente daquele no qual se tropeça dia após dia!...
Apetece ignorar esta realidade e, como fez o "homem só", desaparecer nesse outro mundo. Um mundo em que os personagens de papel não se escondem atrás das palavras que não sabem dizer. Um mundo em que o silêncio pode ser do tamanho da alegria.
Mesmo no "nosso mundo" o "silêncio pode ser do tamanho da alegria" como pode ser do tamanho do inferno
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