Bendita evidência, como agora se diz. Em Outubro foi divulgado um trabalho, “The power of swearing: What we know and what we don’t” a que o CM faz referência hoje.
Cito as primeiras linhas do
resumo, “Swearing produces effects that are not observed with other forms of
language use. Thus, swearing is powerful. It generates a range of distinctive
outcomes: physiological, cognitive, emotional, pain-relieving, interactional
and rhetorical. However, we know that the power of swearing is not intrinsic to
the words themselves.” Apesar da prudência, este novo trabalho sobre o impacto positivo que o recurso ao palavrão poderá ter sossega-me a consciência.
Durante anos procurei explicar de
forma intuitiva todo o conhecimento que tem vindo a ser acumulado a muita gente
que me considerava “mal-educado” e sempre me senti incompreendido. Mais uma vez
obrigado aos autores.
Mais recentemente, uma das
vantagens de chegar a velho, a inimputabilidade, torna as coisas um pouco mais
fáceis, já sinto por vezes que as pessoas por vezes sinto que pensam algo como
“desta idade e como ele fala” ou é “da idade”.
Por outro lado, também fico
preocupado com a quantidade de génios que passam por muitas das nossas salas de
aula cujas tentativas de promoção da sua saúde mental, inteligência e
habilidade verbal não são valorizadas como deviam, assim como não se valorizam
as suas estratégias para lidar com a ansiedade e o stresse da sala de aula e da
aprendizagem
Sempre com a ideia da inovação
por que não um Projecto assente na revolucionária metodologia da "Terapia
pelo Palavrão”. Era só mais um Projecto inovador promotor de capacitação e com
resultados garantidos. Dizem os estudos.
É com frequência que pais ou
encarregados de educação me colocam a questão do palavrão, da “asneira”, sobretudo
quando as crianças iniciam a escolaridade obrigatória e começam uma utilização
mais alargada, por assim dizer, do palavrão, o que, como sabem, só tende a
acontecer aos filhos dos outros pais.
Deixem-me recordar uma história
cá de casa que ficou na memória.
Uma vez, depois de terminar umas
pinturas realizadas com marcadores com ponta de feltro, o meu filho, aí por
volta dos 5 anos, tentava tapar um dos marcadores, mas a coisa não lhe estava a
correr bem e os dedos já estavam a ficar esborratados. Como reacção ouviu-se um
sonoro palavrão, daqueles mesmo a sério, que os adultos tentam explicar às
criancinhas “que é feio dizer”.
Pai empenhado na boa educação do
rebento, “peguei” no violino e em pianíssimo procurei explicar que aquelas
“palavras não se devem dizer”. O problema é que o gaiato olhou tranquilamente
para mim e devolve, “mas tu dizes a jogar à bola”. Pois.
Com o tempo acabou por aprender
como todos nós, quase todos, que as palavras, todas as palavras, podem ser
ditas, às vezes até sabe mesmo bem dizer algumas daquelas que libertam, vocês
sabem, mas não devem ser ditas em todos os locais e em todas as circunstâncias.
É verdade que uma vez numa
conversa com professores em que eu perguntava se qualquer de nós em algum
contexto não dizia um palavrão, um dos professores presentes olhou para mim com
um ar tão perplexo quanto incomodado e assertivamente afirmou, "Eu não,
nunca". Confesso que fiquei muito embaraçado, eu digo algumas vezes
palavrões, quando posso, e quando não posso ... penso cada um. Desculpem.
Servem estas histórias para
ilustrar a necessidade de que os processos educativos se centrem num princípio
estruturante, a autonomia, ideia que sistematicamente defendo. Os miúdos devem
ser solicitados a tomar conta de si dentro dos limites e regras que nos compete
estabelecer com clareza e consistência e das quais eles têm uma imprescindível
necessidade para crescer saudáveis.
Não se trata de uma educação para
a santidade onde tudo é perfeito e a transgressão proibida e culpabilizante,
mas de uma educação para valores em que se pretende que os miúdos percebam as
regras e os limites imprescindíveis e sejam capazes de mobilizar os
comportamentos adequados aos contextos em que se movem. Não nos comportamos num
estádio de futebol como nos comportamos ao assistir a uma aula, não nos
comportamos num concerto de Verão como no cinema, etc., etc.
A questão é que os miúdos, muitos
miúdos, parecem crescer numa desregulação por ausência de limites e regras que
os deixa perdidos e sem referências, entrando frequentemente numa roda livre em
que tudo parece normal e permitido em qualquer contexto.
O problema é que com muitos de
nós, adultos, passa-se, basicamente, o mesmo.
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