Talvez por já não estar longe dos
70 e estar reformado, ainda que com alguma actividade profissional, o texto de Pacheco Pereira de ontem no Público, “Mais uma vez a “peste grisalha” – uma “justiça” que é uma injustiça”, deu-me que fazer, na leitura e
na reflexão.
Faço parte daquela entidade que
tem vindo a ser tratada por “peste grisalha” constituída por uns malandros já velhos que
vivem à custa do trabalho dos mais novos e, confesso, não me senti bem. Ao que parece, estará nas intenções programáticas
do PSD dar fim a esta injustiça geracional.
Devo dizer que a minha situação
de “grisalho” é vivida com alguma tranquilidade, o valor da reforma permite-o,
até ver e se não enfrentar grandes sobressaltos. Já pedi desculpa por isso às pessoas mais novas que me sustentam
apesar dos meus 42 anos de contributo fiscal. No entanto, sei que a minha mãe
sentia muita dificuldade em assegurar uma velhice tranquila depois de ter
começado a trabalhar aos 12 e só ter parado quando já não podia. Também sei que a reforma do Mestre Marrafa que começou a trabalhar aos 9 anos a guardar porcos é absorvida na totalidade pela estadia numa instituição de cuidados continuados
e não chega para tudo o que precisa.
De facto, é preciso acabar com
esta injustiça da peste grisalha, os velhos sustentados pelos mais novos que não
sabem o que os espera quando chegarem a “grisalhos”.
A questão é que, como diz JPP no texto,
“A verdade nua e crua, e que muita gente não gosta de ouvir, é que ser jovem é,
sob todos os pontos de vista, melhor do que ser velho”.
Em 2016 foi divulgado um estudo
sobre a forma como os mais velhos percebem o que foi e é a sua vida,
“Envelhecimento em Lisboa, Portugal e Europa: uma perspectiva comparada”, realizado
pelo Instituto do Envelhecimento do Instituto de Ciências Sociais.
Os dados mostraram que apenas um
quarto dos velhos olha para o seu passado com “alegria”, só 29.9% afirma ter
tido uma vida feliz “muitas vezes” e os restantes “raramente” ou “nunca” se
sentiram felizes.
Os velhos portugueses estão
também entre os que mais dificuldades exprimem em termos de saúde, em
particular de saúde mental e no consumo de fármacos, recursos económicos e
actividade física e social. Evidenciam também de forma significativa baixas
expectativas face ao futuro.
Quando se comparam os indicadores
relativos à esperança de vida, em que realizámos um progresso notável, com a
manutenção de vida saudável nessa última fase, em que ocupamos os lugares mais
baixos a Europa, ou seja, vivemos mais, mas mais doentes, sobretudo as
mulheres, importa não esquecer as condições de vida, um indicador com
influência muito significativa. A definição deste nível de vida não se liga
apenas a recursos económicos, mas, sobretudo, a recursos educacionais, nível de
literacia e informação, acessibilidade a apoios, etc.
Este cenário sublinha duas
questões que parecem fundamentais e que nem sempre parecem suficientemente
valorizadas. Em primeiro lugar há que considerar a importância decisiva que em
todas as dimensões da vida das pessoas assumem a qualificação e a informação.
Melhores níveis de formação e literacia promovem melhor qualidade nos estilos
de vida o que estudo agora divulgado também acentua.
Na verdade, as condições de vida
de boa parte dos nossos velhos são complicadas.
Começam por ser desconsiderados
pelo sistema de segurança social que com pensões miseráveis, transforma os
velhos em pobres, dependentes e envolvidos numa luta diária pela sobrevivência.
Continua com um sistema de saúde que deixa muitos milhares de velhos
dependentes de medicação e apoio, sem médico de família e com dificuldades
evidentes no acesso aos cuidados de saúde. Em muitas circunstâncias, as
famílias, seja pelos valores, seja pelas suas próprias dificuldades, não se
constituem como um porto de abrigo, sendo parte significativa do problema e não
da solução.
Finalmente, as instituições,
muitas delas, subordinam-se ao lucro e escudam-se numa insuficiente
fiscalização além de que, com frequência, os equipamentos de qualidade são
inacessíveis aos rendimentos de boa parte dos nossos velhos.
Por outro lado, é também de
referir que as alterações dos estilos de vida e dos valores produzem cada vez
mais situações de solidão e isolamento entre os velhos, com consequências que
têm feito manchetes. Estão em extinção as relações de vizinhança e a vivência
comunitária, fontes privilegiadas de protecção dos mais velhos. Muitos velhos morrem de "sozinhismo" ainda que na certidão de óbito possa surgir outra causa.
É certo que existe, felizmente,
um pequeno número de idosos que além do apoio familiar, ainda possuem meios que
lhes permitem aceder a bens e equipamentos que contribuem para uma desejável e
merecida qualidade de vida no fim da sua estrada.
No entanto, lamentavelmente, boa
parte dos velhos, sofreu para chegar a velho e sofre a velhice.
Não é um fim bonito para qualquer
narrativa.
A narrativa da “peste grisalha” é
um despudorado insulto a boa parte dos portugueses e aos direitos e valores éticos,
sociais, morais e constitucionais.
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