A propósito do texto de Maria João Marques no Público, “Manifesto anti-trabalhos de casa”, tema que, provavelmente, nunca será objecto de uma abordagem consensual, retomo algumas notas que possam contribuir para a reflexão.
Talvez fruto do clima de fortíssima crispação que nos
últimos anos envolve a educação, os debates e as ideias também tendem a ser
crispadas, com opiniões definitivas e, aparentemente, sem margem de
entendimento. Também assim tende a acontecer quando se discute a questão dos
TPC, ser contra ou ser a favor. Sem qualquer visão fundamentalista ficam
algumas ideias para uma discussão e mudanças que me parecem necessárias, aliás,
umas não vão sem a outra.
Num trabalho da OCDE de 2014, "Does homework perpetuate inequities in education?"
e entre outros dados interessantes referia-se que os alunos com famílias
de meios sociais e económicos mais favorecidos gastam mais 2 horas em trabalhos
de casa que os seus colegas com famílias de estatuto mais baixo o que,
sublinhava a OCDE, poderá alimentar a falta de equidade.
Neste contexto, parece-me pertinente recordar que o nível de
escolaridade dos pais, em Portugal conforme todos os estudos conhecidos é um
fortíssimo preditor do sucesso escolar dos filhos.
Estes dados sustentam o entendimento de que os trabalhos de
casa correm o sério risco de alimentar desigualdade de oportunidades e
obriga-nos a reflectir sobre a sua utilização.
Parece-me também importante o facto de que no nosso sistema
educativo os alunos do 1º, por exemplo, podem passar 8 ou 10 horas diárias na
escola considerando o tempo lectivo, as Actividades de Enriquecimento
Curricular e a Componente de Apoio à família, (no limite algumas crianças poderão
bem mais de 40 horas semanais na escola, uma enormidade). Este tempo de
permanência na escola é um dos mais longos dos países da OCDE. Acresce que em
muitas circunstâncias, muitos alunos têm ainda Trabalhos Para Casa que, nas
mais das vezes, são a continuação ou a réplica de trabalhos escolares, ou seja,
mais do mesmo.
Não tenho nenhuma posição fundamentalista, insisto, mas
creio que deve distinguir-se com clareza o Trabalho Para Casa e o Trabalho Em
Casa. O TPC é trabalho da escola feito em casa, o trabalho em casa será o que
as crianças podem fazer em casa que, não sendo tarefas de natureza escolar,
pode ser um bom contributo para as aprendizagens dos miúdos. O que acontece
mais frequentemente é termos Trabalhos Para Casa e não Trabalho Em Casa.
Os TPC clássicos têm ainda o problema de colocar com
frequência os pais em situações embaraçosas, querem ajudar os filhos, mas não
possuem habilitações para tal.
A propósito, sempre me lembro de numa reunião de pais em que
participava já há muitos anos e se discutia esta questão, dizia uma mãe, “o
senhor, da maneira que fala, se calhar é capaz de ajudar o seu filho, mas na
minha casa, chora a minha filha e choro eu, ela porque quer ajuda, eu porque
não sou capaz de lha dar.” Colocar os pais nesta posição parece-me discutível,
no mínimo.
Sim, eu sei, que é apenas uma situação, não é a floresta,
mas dá que pensar.
Torna-se, pois, necessário que professores e escolas se
entendam sobre esta matéria, diferenciando trabalho de casa, igual ao da
escola, de trabalho em casa, trabalho em que qualquer pai pode, deve,
envolver-se e é útil ao trabalho que se realiza na escola.
Tudo isto considerado, o recurso ao TPC deveria avaliar se o
aluno, cada aluno, tem capacidade e competência para o realizar autonomamente,
por exemplo, o treino de competências adquiridas. Na verdade, porque milagre ou
mistério, uma criança que tem dificuldade em realizar os seus trabalhos na sala
de aula, onde poderá ter apoio de professores e colegas, será capaz de os
realizar sozinha em casa? Naturalmente tal só acontecerá com a ajuda dos pais
ou, eventualmente, de "explicadores" a que muitas famílias, sabemos
quais, não conseguem aceder.
No entanto, do meu ponto de vista, sobretudo nas idades mais
baixas, o bom trabalho na escola deveria dispensar o TPC. É uma questão de
saúde e qualidade de vida.
Parece ainda de sublinhar que os estudos sugerem que "é
sobretudo a qualidade das aulas, mais do que o tempo global de aprendizagem que
está associado ao sucesso na aprendizagem. Aliás, no citado relatório da OCDE
também se conclui que não há uma relação significativa entre o número médio de
horas gastas nos TPC e os resultados escolares.
Andaríamos melhor se reflectíssemos sem preconceitos e
juízos fechados sobre questões desta natureza. Não é uma questão de ser a favor
ou contra os TPC, é reflectir sobre o que são? Como se utilizam? Que efeitos na
generalidade dos alunos? Como se adaptam às circunstâncias e diferenças de
contexto dos alunos como idade/ciclo de escolaridade, nível de escolarização
familiar, etc.
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