O Ministério da Educação tornou público que as provas de aferição do 2.º, 5.º e 8.º anos de escolaridade obrigatória de 22/23 serão realizadas pela generalidade dos alunos em suporte electrónico. Esta medida inscreve-se no projecto Dave- Desmaterialização da Avaliação Externa, do IAVE e apoiada pelos recursos do Plano de Recuperação e Resiliência, claro.
Vou deixar de lado o que aqui
tenho referido, a não realização de exames nacionais no 4º e 6º ano colocou a
imprescindível necessidade de dispositivos externos de regulação que nos dessem
“retratos” robustos e comparáveis dos trajectos escolares. Ainda assim, uma nota breve antes da questão da desmaterialização.
Seria esta a função da
reintrodução das provas de aferição. Só que o modelo decidido não cumpre esta
função, não parece, de facto, uma avaliação de aferição. Dado que ainda não foi
alterada, a Lei de Bases do Sistema Educativo define que o ensino básico se
organiza numa lógica de ciclo e não de disciplina como o secundário.
Assim, uma avaliação externa de
aferição teria de ser realizada no ano final de cada ciclo e não nos anos
intermédios, 2º, 5º e 8º ano, os alunos estão a meio do seu caminho de um ciclo.
A argumentação foi de que,
realizadas nestes anos, a identificação de dificuldades e a devolução de
resultados permitiriam a correcção de trajectórias futuras dos alunos. Certo,
assim sendo e neste caso a avaliação não é de aferição, mas de diagnóstico. No
entanto, espera-se que diariamente nas salas de aula os professores realizem,
mais formal ou mais informalmente, avaliações desta natureza, mais formativa,
pois é a mais sólida ferramenta que possuem de regulação do trabalho dos alunos
e do seu próprio trabalho.
Acresce que tem sido habitual a
rotação em cada ano das disciplinas envolvidas nas provas o que não permite
estabelecer de forma sólida dados comparativos que permitam perceber eventuais
ajustamentos na trajectória dos alunos.
Retomemos a questão da desmaterialização
da avaliação.
Parece claro que em múltiplas
áreas e, naturalmente, também na educação, a transição digital parece
incontornável e torna necessária a utilização das ferramentas digitais de forma
generalizada e integrada nos processos de ensino e aprendizagem, bem como em
todos os processos relativos à organização e funcionamento escolar e do sistema
no seu todo. Nenhuma dúvida sobre isso. Sem meios digitais não podia estar a escrever este texto.
Importa, no entanto, que a
transição digital não faça parte do problema, mas da solução o que, por exemplo, a burocratização
“platafórmica” que se verifica na vida de escolas e professores parece sugerir.
Para além da anunciada
desmaterialização da avaliação, há pouco tempo soubemos que até 2026 todas as
escolas estrão equipadas com manuais digitais, ou seja, serão desmaterializados.
Como se adivinha, os recursos necessários serão assegurados com financiamento do
Plano de Recuperação e Resiliência.
É também necessário não esquecer
pormenores como o acesso a equipamentos atempado por parte dos alunos, a
qualidade dos equipamentos, que, de acordo com os directores de escolas e agrupamentos
não parece ser a sua especificação mais relevante, os recursos necessários à adequada utilização dos equipamentos, mas
escolas, em particular nas salas de aulas, infra-estruturas eléctricas e rede
de net eficientes, por exemplo. As queixas nesta matérias são demasiado frequentes.
Entretanto, por razões e
responsabilidades conhecidas, estão a chegar às escolas cidadãos com formação
científica em diferentes domínios, mas sem formação para a docência. Chama-se
“desprofissionalização” que se atenuará com uma onda de “capacitação” e com o
jeito e boa vontade que, obviamente, todos terão. Professor é uma profissão
fácil como se sabe.
Temo que este movimento imparável
de desmaterialização da educação possa vir a envolver a desmaterialização
dos professores, substituindo-os algo como uns(umas) Siri(s).
Quanto aos alunos, bom, esses
parece impossível desmaterializá-los.
Estamos e vamos certamente
continuar perante uma realidade que se pode chamar de desafiante.
Como por aqui dizemos, deixem lá
ver.
Sem comentários:
Enviar um comentário