Estamos no arranque de mais um ano lectivo, os alunos vão chegar dentro de dias o que gera sempre alguma expectativa, desejos, receios, ideias em quem, de alguma forma, está ligado a este universo. Nos últimos tempos a educação, a escola, tem sido fonte permanente de referências, muito frequentemente de natureza negativa.
Os tempos vão duros para toda a comunidade e, naturalmente,
também se repercutem na escola. Por outro lado, como muitas vezes aqui abordo, a escola, a instituição
escola, vive ela própria tempos complicados, envelhecimento, desencanto e
cansaço dos professores que interage com a falta de docentes, climas
institucionais nem sempre amigáveis e fonte de apoio e tranquilidade, falta de
recursos, auxiliares de educação e técnicos, os ainda presentes efeitos de dois
anos completamente atípicos, um modelo de “municipalização” que levanta dúvidas, alterações nos quadros de
valores e representações das comunidades que se traduzem na relação com a escola e com os professores, algumas
dimensões inadequadas das políticas públicas de educação, etc., etc.
No entanto, é esse o ponto que queria sublinhar neste
arranque do ano lectivo, apesar de como aqui tantas vezes tenho referido
considerar urgente a reflexão e intervenção adequada relativamente aos
problemas dos alunos, aprendizagens e comportamentos, às questões sérias que
envolvem os professores incluindo as de natureza profissional, às relações interpessoais
e clima social ou de organização, ao funcionamento e governação das escolas,
não simpatizo com a alimentação da ideia de que todos os que diariamente chegam
às escolas entram no inferno. Tal entendimento não invalida o saber que para
alguns professores, funcionários e alunos a escola será … o inferno.
A verdade é que, apesar de todos os constrangimentos e
dificuldades e do que ainda está por fazer, o trabalho desenvolvido por
professores, técnicos, funcionários e alunos é bem-sucedido na maioria das
situações e isso deve ser sublinhado. De uma forma geral, professores,
técnicos, funcionários e alunos, quase todos, fazem a sua parte.
Reconheço que o universo da educação tem vindo durante
décadas a funcionar de forma associada à deriva política em que os caminhos da
educação se transformaram. Na verdade, a educação tem sido um terreno
privilegiado do funcionamento da partidocracia ao sabor de agendas que,
frequentemente, não coincidem com o bem-estar comum e operadas por equipas que,
nas mais das vezes, produzem catadupas de legislação e mudanças sucessivas, sem
avaliação que as sustente e sem coerência ou competência, a que os fortíssimos
interesses corporativos presentes no universo da educação reagem positiva ou
negativamente conforme os seus interesses são, ou não, contemplados.
Neste cenário têm-se desenvolvido políticas públicas que não
cumprem de forma suficiente o direito constitucional de uma educação de
qualidade para todos os indivíduos em idade escolar com consequências
devastadoras no clima e funcionamento das escolas.
Sabemos e compreendemos a necessidade de combater o
desperdício e conter gastos. Também algumas dimensões das políticas públicas
não são valorizadoras social e profissionalmente de docentes, técnicos e
funcionários o que tem implicações no clima das escolas.
Num país em que a literacia e a maturidade cívica que
sustentam a solidez e a força de posições de crítica e exigência são
deficitárias, a maioria dos pais está demitida do envolvimento nos movimentos
representativos dos encarregados de educação pelo que as minorias mais activas
assumiram essa posição que sendo legítima não é eficaz e representativa
obedecendo, por vezes nitidamente, a agendas outras. Os outros pais, a maioria
e, sobretudo, os mais preocupados com os seus miúdos relacionam-se com a escola
em função, obviamente, das particularidades individuais dos seus educandos.
Finalmente e no que respeita aos alunos, parece-me
importante sublinhar que o quadro que descrevi anteriormente, as consequências
dos modelos de desenvolvimento que têm sido seguidos, os sistemas de valores
que temos vindo a definir, não podem deixar de se reflectir na relação que
estabelecem com a escola, ou, melhor dizendo com parte da vida da escola.
É por esta ordem de razões que, a não alterarmos modelos e
valores de participação cívica, discursos e práticas políticas, mais centradas
no bem comum e menos centradas nos interesses da luta pelo poder, dificilmente
imagino que tenhamos, mesmo, um Ministério da Educação centrado no que é essencial,
orientação e regulação, com um aparelho leve, eficaz e desburocratizado, e o
trabalho educativo centrado em escolas autónomas, responsáveis e
responsabilizadas perante as comunidades locais.
No entanto, não posso deixar de registar uma palavra de
optimismo. Apesar deste "caos organizado", professores e alunos têm
conseguido produzir um trabalho notável de recuperação de resultados e
competências que apesar das oscilações é relevante.
Precisamos, imprescindivelmente, de confiar numa escola
pública que lhes mostre o caminho para o futuro, preparando-os para lidar com
os sobressaltos e obstáculos que fazem parte do caminho.
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