segunda-feira, 5 de setembro de 2022

O INFERNO NA ESCOLA, O DIREITO AO OPTIMISMO

 Estamos no arranque de mais um ano lectivo, os alunos vão chegar dentro de dias o que gera sempre alguma expectativa, desejos, receios, ideias em quem, de alguma forma, está ligado a este universo. Nos últimos tempos a educação, a escola, tem sido fonte permanente de referências, muito frequentemente de natureza negativa.

Os tempos vão duros para toda a comunidade e, naturalmente, também se repercutem na escola. Por outro lado,  como muitas vezes aqui abordo, a escola, a instituição escola, vive ela própria tempos complicados, envelhecimento, desencanto e cansaço dos professores que interage com a falta de docentes, climas institucionais nem sempre amigáveis e fonte de apoio e tranquilidade, falta de recursos, auxiliares de educação e técnicos, os ainda presentes efeitos de dois anos completamente atípicos, um modelo de “municipalização”  que levanta dúvidas, alterações nos quadros de valores e representações das comunidades que se traduzem na relação com  a escola e com os professores, algumas dimensões inadequadas das políticas públicas de educação, etc., etc.

No entanto, é esse o ponto que queria sublinhar neste arranque do ano lectivo, apesar de como aqui tantas vezes tenho referido considerar urgente a reflexão e intervenção adequada relativamente aos problemas dos alunos, aprendizagens e comportamentos, às questões sérias que envolvem os professores incluindo as de natureza profissional, às relações interpessoais e clima social ou de organização, ao funcionamento e governação das escolas, não simpatizo com a alimentação da ideia de que todos os que diariamente chegam às escolas entram no inferno. Tal entendimento não invalida o saber que para alguns professores, funcionários e alunos a escola será … o inferno.

A verdade é que, apesar de todos os constrangimentos e dificuldades e do que ainda está por fazer, o trabalho desenvolvido por professores, técnicos, funcionários e alunos é bem-sucedido na maioria das situações e isso deve ser sublinhado. De uma forma geral, professores, técnicos, funcionários e alunos, quase todos, fazem a sua parte.

Reconheço que o universo da educação tem vindo durante décadas a funcionar de forma associada à deriva política em que os caminhos da educação se transformaram. Na verdade, a educação tem sido um terreno privilegiado do funcionamento da partidocracia ao sabor de agendas que, frequentemente, não coincidem com o bem-estar comum e operadas por equipas que, nas mais das vezes, produzem catadupas de legislação e mudanças sucessivas, sem avaliação que as sustente e sem coerência ou competência, a que os fortíssimos interesses corporativos presentes no universo da educação reagem positiva ou negativamente conforme os seus interesses são, ou não, contemplados.

Neste cenário têm-se desenvolvido políticas públicas que não cumprem de forma suficiente o direito constitucional de uma educação de qualidade para todos os indivíduos em idade escolar com consequências devastadoras no clima e funcionamento das escolas.

Sabemos e compreendemos a necessidade de combater o desperdício e conter gastos. Também algumas dimensões das políticas públicas não são valorizadoras social e profissionalmente de docentes, técnicos e funcionários o que tem implicações no clima das escolas.

Num país em que a literacia e a maturidade cívica que sustentam a solidez e a força de posições de crítica e exigência são deficitárias, a maioria dos pais está demitida do envolvimento nos movimentos representativos dos encarregados de educação pelo que as minorias mais activas assumiram essa posição que sendo legítima não é eficaz e representativa obedecendo, por vezes nitidamente, a agendas outras. Os outros pais, a maioria e, sobretudo, os mais preocupados com os seus miúdos relacionam-se com a escola em função, obviamente, das particularidades individuais dos seus educandos.

Finalmente e no que respeita aos alunos, parece-me importante sublinhar que o quadro que descrevi anteriormente, as consequências dos modelos de desenvolvimento que têm sido seguidos, os sistemas de valores que temos vindo a definir, não podem deixar de se reflectir na relação que estabelecem com a escola, ou, melhor dizendo com parte da vida da escola.

É por esta ordem de razões que, a não alterarmos modelos e valores de participação cívica, discursos e práticas políticas, mais centradas no bem comum e menos centradas nos interesses da luta pelo poder, dificilmente imagino que tenhamos, mesmo, um Ministério da Educação centrado no que é essencial, orientação e regulação, com um aparelho leve, eficaz e desburocratizado, e o trabalho educativo centrado em escolas autónomas, responsáveis e responsabilizadas perante as comunidades locais.

No entanto, não posso deixar de registar uma palavra de optimismo. Apesar deste "caos organizado", professores e alunos têm conseguido produzir um trabalho notável de recuperação de resultados e competências que apesar das oscilações é relevante.

Precisamos, imprescindivelmente, de confiar numa escola pública que lhes mostre o caminho para o futuro, preparando-os para lidar com os sobressaltos e obstáculos que fazem parte do caminho.

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