Os tempos que vivemos são duros e torna-se difícil hierarquizar os problemas que afectam as comunidades. Talvez não seja o que mais frequentemente nos preocupa e faz reflectir, mas cumpre-se hoje o Dia Internacional da Consciencialização sobre Perdas e Desperdício Alimentar. É verdade, existe um dia para pensar no desperdício alimentar.
Recordo um trabalho de 2018 de Iva
Pires, “Desperdício Alimentar”, divulgado pela Fundação Francisco Manuel dos
Santos no qual se estimava que cada família portuguesa desperdice 80 quilos de
alimentos por ano, 1,5 Kg por semana.
A questão do desperdício
alimentar, por cá e no mundo mais desenvolvido, não tem o destaque que se
justificaria e, sobretudo, não parece abrandar. Num trabalho citado no The
Guardian em 2016 lia-se que metade de toda a comida produzida nos EUA é deitada
ao lixo.
Mais alguns dados. A Organização
para a Alimentação e a Agricultura, da ONU, estima que 1,3 mil milhões de
toneladas de alimentos, um terço do que é produzido, são desperdiçadas com um
custo de anual de 570 mil milhões de euros para a economia global, o suficiente
para alimentar 925 milhões de pessoas. Vivemos num mundo estranho. Na Europa,
até chegar ao consumidor perde-se entre 30 e 40% da comida, qualquer coisa como
179 quilos por habitante, 42% dos quais em casa.
O Projecto de Estudo e Reflexão
sobre o Desperdício Alimentar (PERDA), desenvolvido pela Universidade Nova de
Lisboa, conhecido em 2014, sugere que “no campo e no armazenamento, no sector
da pecuária e nas pescas, todos os anos são desperdiçadas 332 mil toneladas de
alimentos em Portugal, valor que ultrapassa o desperdício que é feito pelos
próprios consumidores (324 mil toneladas de comida deitadas fora).
Somando as 77 mil toneladas
perdidas na indústria que processa os alimentos, entre o campo e as fábricas,
desperdiçam-se no total 409 mil toneladas por ano.”
Esta escala de valores no que
respeita ao desperdício de alimentos é devastadora e, como por vezes se quer
acreditar, não é coisa de gente rica, é coisa de toda a gente e mostra o quase
tudo que está por fazer embora actualmente tenhamos em Portugal algumas
iniciativas importantes no sentido de atenuar desperdícios.
Na verdade, o desperdício é um
subproduto dos modelos de desenvolvimento e dos sistemas de valores que deveria
merecer uma fortíssima atenção.
Há algum tempo, creio que em
2013, o Parlamento Europeu aprovou um relatório segundo o qual a União Europeia
que tem 79 milhões de pessoas a viver abaixo do limiar de pobreza, 15,8% da
população, e desperdiça anualmente cerca de metade do que consome em alimentos.
Este desperdício corresponde a 89 mil milhões de toneladas, um assombro. Aliás,
o Parlamento Europeu estabeleceu como objectivo reduzir em 50% o desperdício
até 2025.
Neste quadro releva a necessidade
urgente de ponderar os modelos de desenvolvimento económico e social,
questionar o quadro de valores com que nos organizamos em comunidade,
designadamente no que respeita ao consumo e aos excessos e combater
desperdícios que também são consequência desses modelos.
Acresce que a perda e o
desperdício de alimentos se repercutem significativamente na sustentabilidade
dos recursos. O desperdício foi produzido com recursos, terra, água, trabalho,
investimento que, obviamente, são inúteis e com sérios custos ambientais
associados às alterações climáticas.
Escrever sobre estas questões em
espaços desta natureza terá alcance zero, mas continuo convencido que é
fundamental não deixar cair a preocupação, talvez seja melhor chamar-lhe a
indignação, com a pobreza e exclusão para as quais os níveis de desperdício dão
um forte contributo.
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