terça-feira, 20 de setembro de 2022

APRENDER A ANDAR DE "BINA" NA ESCOLA

 Com alguma curiosidade leio no Expresso que a partir deste mês 259 escolas públicas começarão a receber kits de bicicletas e capacetes no âmbito do Desporto Escolar sobre Rodas esperando-se que todas as escolas sejam abrangidas até 2024. Finalmente, algo que na educação anda sobre rodas.

Com a medida pretende-se que todos os alunos aprendam a andar de bicicleta até ao final do 6º ano e se promovam formas mais saudáveis de mobilidade apesar de contextos muito pouco amigáveis em muitas das nossas cidades e vilas.

Ainda que possa entender a iniciativa não deixo de achar alguma estranheza na ideia de ser a escola a ensinar a andar de bicicleta ainda que também defenda que “andar de bina” é uma aprendizagem essencial.

Como sempre, alguma competência que é julgada útil vai engordar o trabalho da escola restando saber até quando a escola aguentará o contínuo aumento de solicitações. É bom lembrar que a escola passa por tremendas dificuldades para assegura o que só a escola pode fazer, ensinar os alunos através do trabalho dos professores que … não chegam para as necessidades.

É verdade que os estilos de vida e rotinas diárias se alteraram, as crianças tendem a desenvolver outro tipo de actividades pelo que várias escolas e agrupamentos ou autarquias têm desenvolvido iniciativas no mesmo sentido.

Recordo que a Câmara de Torres Vedras desenvolveu há já algum tempo uma iniciativa, “Mini-Agostinhas”, que envolvendo numa 1ª fase alunos do 1º e 2º ano de três escolas fomentou a aprendizagem do andar de bicicleta. Como afirmava um professor envolvido, muitas crianças acedem primeiro ao “tablet” que à bicicleta.

Recupero ainda o que escrevi a propósito de uma iniciativa semelhante numa escola básica de Lisboa na qual, também de acordo um dos responsáveis, numa turma de 4º ano com 25 a alunos, 80% não sabia andar de “bina”.

A experiência de andar de bicicleta está de facto ausente da vida de muitas crianças. Por questões da segurança, a alteração da percepção de valores, equipamentos, brinquedos e actividades dos miúdos e, sobretudo, a mudança nos estilos de vida, o brincar e, sobretudo, o brincar na rua começa a ser raro.

Embora consciente de variáveis como risco, segurança e estilos de vida das famílias, creio que seria possível “devolver” os miúdos ao circular e brincar na rua, talvez com a supervisão de velhos que estão sós as comunidades. Seria muito bom que as famílias conseguissem alguns tempos e formas de ter as crianças fora das paredes de uma casa, escola, centro comercial, automóvel ou ecrã.

Quantas histórias e experiências muitos de nós carregam vindas do brincar e andar na rua e que contribuíram de formas diferentes para aquilo que somos e de que gostamos.

Como muitas vezes tenho escrito e afirmado, o eixo central da acção educativa, escolar ou familiar, é a autonomia, a capacidade e a competência para “tomar conta de si” como fala Almada Negreiros. A rua, a abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente, os desafios, os limites, as experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento e promoção dessa autonomia.

Curiosamente, se olharmos às nossas condições climatéricas, Portugal é um dos países com valores mais baixos no tempo dedicado a actividades de ar livre, situação com implicações menos positivas na qualidade de vida, nas suas várias dimensões, de miúdos e crescidos.

Talvez, devagarinho e com os riscos controlados, valesse a pena trazer os miúdos para a rua, mesmo que por pouco tempo e não todos os dias.

A notícia e as notas, que alinhei fizeram-me também recordar com imensa ternura e nostalgia a minha bicicleta de adolescente, lá muito para trás no tempo numa estória que já por aqui passou.

Tive a sorte de ter uma bicicleta desde gaiato pequeno, oferta de tios generosos, por isso sempre me habituei a bicicletas até porque foi o veículo de transporte familiar até à adolescência, altura em que o orçamento lá de casa possibilitou a aquisição de uma motorizada para a família e na qual todos se reviam embevecidos. É certo que continuávamos em duas rodas, mas sempre tinha motor.

Já mais crescido, a economia familiar tinha limites apertados e não chegava para uma bicicleta nova de roda 28 pelo que desenvolvi um empreendedor plano. Recolhia cobre de fios velhos de instalações eléctricas e latão, sobretudo dos casquilhos das lâmpadas, que trocava no ferro-velho do Gato Bravo por peças para a minha bicicleta. O quadro, as rodas, selim, o guiador, os travões, o dispositivo de iluminação com o dínamo na roda e a minha bicicleta foi crescendo, linda, através do que se poderia designar por um modelo pioneiro de “assembling”, com a ajuda sabedora e companheira do meu pai, um conhecedor de bicicletas e, sobretudo, um especialista em gente miúda. Não vos posso dizer a cor da minha bicicleta porque teve várias, era uma bicicleta personalizada.

De vez em quando, conseguia outro guiador, outro selim e a minha amada e invejada bicicleta sofria um “restyling” ou “tuning”, até mudanças ganhou. Grandes voltas percorremos nós, quase sempre com o Zé Padiola, tantas idas à Costa da Caparica e à Fonte da Telha, sempre por estradas que há quarenta anos ainda nos permitiam andar de bicicleta sem os riscos actuais.

É verdade que eu e ela também testámos o chão, mas éramos solidários e amigos, quando eu caía, ela acompanhava-me sem um queixume ou ponta de revolta.

Era uma diversão a sério. Que saudades da minha bicicleta e do tempo em que aprendíamos muito na rua.

Ainda agora, não tanto quanto queria, ando de bicicleta sempre com gozo, tal como o fazem os meus netos que já me fogem na "brasa", o Tomás, seis anos, diz que é por causa das mudanças. Eu sei, Tomás, é mesmo uma questão de mudanças, as que a idade traz, por exemplo.

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