Com alguma curiosidade leio no Expresso que a partir deste mês 259 escolas públicas começarão a receber kits de bicicletas e capacetes no âmbito do Desporto Escolar sobre Rodas esperando-se que todas as escolas sejam abrangidas até 2024. Finalmente, algo que na educação anda sobre rodas.
Com a medida pretende-se que todos os alunos aprendam a
andar de bicicleta até ao final do 6º ano e se promovam formas mais saudáveis
de mobilidade apesar de contextos muito pouco amigáveis em muitas das nossas
cidades e vilas.
Ainda que possa entender a iniciativa não deixo de achar
alguma estranheza na ideia de ser a escola a ensinar a andar de bicicleta ainda
que também defenda que “andar de bina” é uma aprendizagem essencial.
Como sempre, alguma competência que é julgada útil vai
engordar o trabalho da escola restando saber até quando a escola aguentará o
contínuo aumento de solicitações. É bom lembrar que a escola passa por
tremendas dificuldades para assegura o que só a escola pode fazer, ensinar os
alunos através do trabalho dos professores que … não chegam para as necessidades.
É verdade que os estilos de vida e rotinas diárias se
alteraram, as crianças tendem a desenvolver outro tipo de actividades pelo que
várias escolas e agrupamentos ou autarquias têm desenvolvido iniciativas no
mesmo sentido.
Recordo que a Câmara de Torres Vedras desenvolveu há já
algum tempo uma iniciativa, “Mini-Agostinhas”, que envolvendo numa 1ª fase
alunos do 1º e 2º ano de três escolas fomentou a aprendizagem do andar de
bicicleta. Como afirmava um professor envolvido, muitas crianças acedem
primeiro ao “tablet” que à bicicleta.
Recupero ainda o que escrevi a propósito de uma iniciativa
semelhante numa escola básica de Lisboa na qual, também de acordo um dos
responsáveis, numa turma de 4º ano com 25 a alunos, 80% não sabia andar de
“bina”.
A experiência de andar de bicicleta está de facto ausente da
vida de muitas crianças. Por questões da segurança, a alteração da percepção de
valores, equipamentos, brinquedos e actividades dos miúdos e, sobretudo, a
mudança nos estilos de vida, o brincar e, sobretudo, o brincar na rua começa a
ser raro.
Embora consciente de variáveis como risco, segurança e
estilos de vida das famílias, creio que seria possível “devolver” os miúdos ao
circular e brincar na rua, talvez com a supervisão de velhos que estão sós as
comunidades. Seria muito bom que as famílias conseguissem alguns tempos e
formas de ter as crianças fora das paredes de uma casa, escola, centro
comercial, automóvel ou ecrã.
Quantas histórias e experiências muitos de nós carregam
vindas do brincar e andar na rua e que contribuíram de formas diferentes para
aquilo que somos e de que gostamos.
Como muitas vezes tenho escrito e afirmado, o eixo central
da acção educativa, escolar ou familiar, é a autonomia, a capacidade e a
competência para “tomar conta de si” como fala Almada Negreiros. A rua, a
abertura, o espaço, o risco (controlado obviamente, os desafios, os limites, as
experiências, são ferramentas fortíssimas de desenvolvimento e promoção dessa
autonomia.
Curiosamente, se olharmos às nossas condições climatéricas,
Portugal é um dos países com valores mais baixos no tempo dedicado a
actividades de ar livre, situação com implicações menos positivas na qualidade
de vida, nas suas várias dimensões, de miúdos e crescidos.
Talvez, devagarinho e com os riscos controlados, valesse a
pena trazer os miúdos para a rua, mesmo que por pouco tempo e não todos os
dias.
A notícia e as notas, que alinhei fizeram-me também recordar
com imensa ternura e nostalgia a minha bicicleta de adolescente, lá muito para
trás no tempo numa estória que já por aqui passou.
Tive a sorte de ter uma bicicleta desde gaiato pequeno,
oferta de tios generosos, por isso sempre me habituei a bicicletas até porque
foi o veículo de transporte familiar até à adolescência, altura em que o
orçamento lá de casa possibilitou a aquisição de uma motorizada para a família
e na qual todos se reviam embevecidos. É certo que continuávamos em duas rodas,
mas sempre tinha motor.
Já mais crescido, a economia familiar tinha limites
apertados e não chegava para uma bicicleta nova de roda 28 pelo que desenvolvi
um empreendedor plano. Recolhia cobre de fios velhos de instalações eléctricas
e latão, sobretudo dos casquilhos das lâmpadas, que trocava no ferro-velho do
Gato Bravo por peças para a minha bicicleta. O quadro, as rodas, selim, o
guiador, os travões, o dispositivo de iluminação com o dínamo na roda e a minha
bicicleta foi crescendo, linda, através do que se poderia designar por um
modelo pioneiro de “assembling”, com a ajuda sabedora e companheira do meu pai,
um conhecedor de bicicletas e, sobretudo, um especialista em gente miúda. Não
vos posso dizer a cor da minha bicicleta porque teve várias, era uma bicicleta
personalizada.
De vez em quando, conseguia outro guiador, outro selim e a
minha amada e invejada bicicleta sofria um “restyling” ou “tuning”, até
mudanças ganhou. Grandes voltas percorremos nós, quase sempre com o Zé Padiola,
tantas idas à Costa da Caparica e à Fonte da Telha, sempre por estradas que há
quarenta anos ainda nos permitiam andar de bicicleta sem os riscos actuais.
É verdade que eu e ela também testámos o chão, mas éramos
solidários e amigos, quando eu caía, ela acompanhava-me sem um queixume ou
ponta de revolta.
Era uma diversão a sério. Que saudades da minha bicicleta e do tempo em que aprendíamos muito na rua.
Ainda agora, não tanto quanto queria, ando de
bicicleta sempre com gozo, tal como o fazem os meus netos que já me fogem na "brasa", o Tomás, seis anos, diz que é por causa das mudanças. Eu sei, Tomás, é mesmo uma questão de mudanças, as que a idade traz, por exemplo.
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