Nesta série de textos enquadrados pelo início do ano escolar, uma reflexão sobre uma questão bem presente no quotidiano da vida escolar e fonte de mal-estar e sofrimento para muitas crianças, o bullying nas suas múltiplas variantes.
Há dias o CM revelava dados do ME
segundo os quais, no último ano lectivo, foram reportados pelas escolas 225
casos de bullying incluindo cyberbullying.
É uma matéria que merece atenção
e intervenção, o bullying e em particular o cyberbullying, continua a ser fonte
de sofrimento para muitas crianças e jovens e, naturalmente, uma fonte de
preocupação para famílias, professores e técnicos.
Mesmo durante o período do de
confinamento a variante cyberbullying constituiu uma fonte de enorme
inquietação como emergiu no estudo “Cyberbullying em Portugal durante a
pandemia da covid-19” do Centro de Investigação e Intervenção Social do ISCTE –
Instituto Universitário de Lisboa, que aqui
referi, e nos dados revelados pela Associação Portuguesa Contra a
Obesidade Infantil, uma em cada cinco crianças com obesidade foi pela primeira
vez vítima de cyberbullying durante os meses de confinamento e ensino à
distância.
Algumas notas repescadas
direccionadas a pensar sobretudo nos alunos que ainda frequentam a escolaridade
obrigatória.
Desde logo parece-me de chamar a
atenção que também por questões desta natureza se percebe a necessidade de uma
área reflexão trabalhada na escola, que chegue a todos os alunos e que promova
a qualidade das relações interpessoais, a empatia, solidariedade e inteligência
emocional, etc.
O cyberbullying parece ser
actualmente a variante de bullying mais preocupante. Contrariamente ao bullying
presencial o cyberbullying não tem “intervalos”, normalmente os fins-de-semana
pois ocorrem predominantemente nos espaços escolares. Não sendo presencial o(s)
agressor(es) não tem, ou não têm, uma percepção clara do nível de sofrimento
infringido o que em algumas circunstâncias pode funcionar como “travão” e
inibir o comportamento agressivo. Esta situação é potenciada quando se junta a
um menor nível de empatia pelo outro o que ficou muito claro no primeiro
trabalho citado acima e que merece leitura.
Também por estas razões é
fundamental uma atitude ajustada face a este tipo de comportamentos.
Em termos globais, sabe-se também
que a ocorrência de situações de bullying é bem superior ao número de casos que
são relatados. Uma das características do fenómeno, nas suas diferentes formas,
incluindo o cyberbullying, é justamente o medo e a ameaça de represálias a
vítimas e assistentes que, evidentemente, inibem a queixa pelo que ainda mais
se justifica a atenção proactiva e preventiva de adultos, pais, professores,
técnicos ou funcionários. É bem provável que, de facto, os 225 casos reportados
estejam longe de constituir o universo de episódios
Este cenário determinaria, só por
si, um empenhado investimento em recursos e dispositivos que procurassem
minimizar o volume de incidências, algumas das quais de gravidade severa.
Neste contexto e dada a gravidade
e frequência com que ocorrem estes episódios, é imprescindível que lhes
dediquemos atenção ajustada a sinais dados por crianças e adolescentes, nem
sobrevalorizando, nem tudo é bullying, o que promove insegurança e ansiedade,
nem desvalorizando, o que pode negligenciar riscos e sofrimento.
Neste universo e mais uma vez
importa considerar dois eixos fundamentais de intervenção por demais
conhecidos, a prevenção e a intervenção depois dos problemas ocorrerem. Esta
intervenção pode, por sua vez e de forma simplista, assumir uma componente mais
de apoio e correcção ou repressão e punição, sendo que podem coexistir. Com
alguma demagogia e ligeireza a propósito do bullying, as vozes a clamar por
castigo têm do meu ponto de vista falado mais alto que as vozes que reclamam
por dispositivos de prevenção, intervenção e apoio para além da óbvia punição,
quando for caso disso.
Esta utilização mostra a
necessidade de dispositivos de apoio e orientação absolutamente fundamentais
para que pais, professores e alunos possam obter informação e apoio. Segundo o
trabalho do CM 240 escolas irão aderir neste ano lectivo ao Plano Escola sem
Bullying. Entretanto estão criados vários portais e disponíveis alguns canais
de denúncia e procura de orientação e suporte dirigido a pais, professores,
técnicos e, naturalmente, alunos.
Lamentavelmente, parte importante
das entidades e iniciativas de apoio e suporte é exterior às escolas e ilustra
a falta de resposta estruturada e global do sistema educativo, para além das
insuficiências de recursos e na formação de técnicos e de professores sobre
esta complexa questão, desde logo para o seu reconhecimento e identificação.
A existência de dispositivos de
apoio sediados nas escolas, com recursos qualificados e suficientes,
designadamente no que respeita aos assistentes operacionais com funções de
supervisão dos espaços escolares, é uma tarefa urgente.
Do meu ponto de vista, o
argumento custos não é aceitável porque as consequências de não mudar ou não
fazer são incomparavelmente mais caras. Depois das ocorrências torna-se sempre
mais fácil dizer qualquer coisa, mas é necessário. Muitas crianças e adolescentes
evidenciam no seu dia-a-dia sinais de mal-estar a que, por vezes, não damos ou
não conseguimos dar atenção, seja em casa, ou na escola.
Estes sinais não devem ser
ignorados ou desvalorizados. O resultado pode ser trágico.
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