A Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência
divulgou os dados relativos ao desempenho escolar de 2018/2019. Os níveis de
retenção continuam a baixar face a anos anteriores em todos os ciclos e anos de
escolaridade. No entanto, alguns anos ainda apresentam taxas de retenção elevadas.
O 12.º ano é ainda o ano com mais alta taxa de reprovação, 22.6% (cerca de 15 000
alunos) ainda assim bem longe de 52.5% de 2001.
Para além do 12.º, o 2.º e o 7.º continuam a ter as taxas de
reprovação mais altas. De registar que no 2.º ano a retenção atinge ainda 4.9%.
Apesar de estar a enfatizar o copo meio cheio importa ainda
sublinhar que a tradição se mantém, a forte associação entre os resultados
escolares e o estatuto socioeconómico dos alunos. A taxa de conclusão do secundário
em três anos nos alunos sem apoios da Acção Social Escolar é 60% em 2017/2018
face a 45% nos alunos integrados no escalão A (o mais vulnerável) da Acção
social escolar.
Existem também alguns dados relativos ao ensino secundário
no que respeita aos cursos profissionais que merecem reflexão noutras notas.
Para além das habituais afirmações de paternidade
relativamente à responsabilidade pela melhoria a única ilação possível é que o
trabalho de alunos e professores foi melhor sucedido. Também é de aguardar os eventuais efeitos da forma como decorreu este ano lectivo nos resultados finais dos alunos.
É ainda de realçar que apesar de ter melhorado, o 2.º ano
ainda apresenta uma taxa elevada. 4.9%, estamos a falar do “lançamento falhado”
de trajectos escolares bem-sucedidos para cerca de 5 000 crianças.
Esta situação merece reflexão e intervenção mais particulares.
Os dados mostram, pois, que o caminho está a ser feito, mas
que muito ainda está por fazer. Assim, as políticas educativas caminhem no
sentido desejado, apoios atempados e competentes a dificuldades de alunos e
docentes, recursos adequados, diferenciação de práticas e formas de organização
e funcionamento sustentadas na autonomia de escolas e dos professores,
desburocratização, etc.
A questão da retenção escolar e dos seus eventuais efeitos
desencadeia sempre alguma disparidade nas análises e discursos que com frequência
contêm alguns equívocos. Retomo algumas notas já aqui referidas.
No Relatório “Estado da Educação, 2017” do CNE constavam
estes dados analisados em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos
no âmbito do Projecto aQeduto incluindo a dimensão económica na questão
da retenção escolar cujo impacto era estimado em cerca de 6000 € por aluno em
cada ano.
Adaptando o modelo desenvolvido pela Education Endowment
Foundation, o Projecto aQeduto identificou o grau de eficácia e custo económico
de um elenco de medidas de combate ao insucesso. Das medidas analisadas, a
retenção tem o custo mais elevado e a eficiência é negativa, promove um atraso
de 4 meses. Ensinar a estudar é a medida mais económica, 87€, e mais eficiente,
promove um ganho de 8 meses de aprendizagem.
Estes dados são importantes, mas a sua substância não é
nova.
Recordo que no Relatório “Low-Performing Students - Why They
FallBehind and How To Help Them Succeed” divulgado pela OCDE também em 2017 se
evidencia que o “chumbo”, a retenção, é para os alunos portugueses o principal
factor de risco para os resultados na avaliação posterior, dito de outra
maneira, os alunos chumbam …, mas não melhoram.
De facto, definitivamente, não adianta discutir se o chumbo
transforma o insucesso em sucesso. Não transforma, repetir só por repetir não
produz sucesso, aliás, gera mais insucesso conforme de há muito os trabalhos sobre o insucesso escolar mostram.
Confesso sempre alguma surpresa e dificuldade em compreender
quando ao discutir-se os efeitos pouco positivos da retenção algumas vozes,
mesmo dentro do universo da educação, clamam que se está a promover o
"facilitismo" ou a defender que "então passam sem saber". A
leitura das caixas de comentários às notícias sobre estas questões é
elucidativa.
Nesta conformidade e do meu ponto de vista, a questão
central não é o chumba, não chumba, e quais os critérios ou o número de exames,
mas sim que tipo de apoios, que medidas e recursos devem estar disponíveis para
alunos, professores e famílias desde o início da percepção de dificuldades com
o objectivo de evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo.
Este discurso não tem rigorosamente a ver com
"facilitismo" e, muito menos, com melhoria "administrativa"
das estatísticas da educação, uma tentação a que nem sempre se resiste. Pelo
contrário, “facilitismo” é acreditar que a retenção, só por si, promove o sucesso escolar.
É essencial promover e tornar acessíveis a alunos,
professores e famílias apoios e recursos adequados e competentes de forma a
evitar a última e genericamente ineficaz medida do chumbo. É fundamental não
esquecer que o insucesso continua a atingir fundamentalmente os alunos oriundos
de famílias com pior condição económica e social pelo que inibe o objectivo da
mobilidade social. A associação entre o insucesso e a pobreza em Portugal é,
aliás, a mais forte entre os países europeus. Em Portugal os bons alunos são os
que mais trabalham em casa, TPC e explicações, dado a que, evidentemente, não é
alheio ao nível de escolaridade dos pais e ao estatuto económico. É necessário
também diversificar percursos de formação com diferentes modelos curriculares e
carga lectiva finalizando sempre com algum tipo formação profissional. Esta
diferenciação não deve acontecer em idades precoces criando percursos
irreversíveis de "segunda" para os "sem jeito para a
escola" e "preguiçosos".
A qualidade promove-se, é certo e deve sublinhar-se, com a
avaliação rigorosa e regular das aprendizagens, sim, naturalmente, mas também
com a estruturação oportuna e competente de dispositivos de apoio a alunos e
professores eficazes e suficientes, com a definição de políticas educativas que
sustentem um quadro normativo simples e coerente e modelos adequados e reais de
autonomia, organização e funcionamento desburocratizado das escolas, com a
definição de objectivos de curto e médio prazo, etc.
É o que acontece, genericamente, nos países com mais baixas
taxas de retenção escolar.
Como nota final a ideia de que é também neste quadro que
entendo dever ser considerado o Plano de não Retenção no Ensino Básico
anunciado pelo ME, liberto do tsunami de inovações que, por vezes, de novo têm
nada, liberto do mantra da flexibilidade que nem sempre chega à sala de aula,
liberto dos riscos de uma "municipalização" que fragiliza a autonomia
de escolas e agrupamentos, liberto da burocracia platafórmica ou grelhadora que
produz desânimo e ineficiência.
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