A petição que pretende voltar a
colocar em discussão no Parlamento a aprovação do Estatuto de Vítima para
crianças inseridas em contexto de violência doméstica jé reuniu mais de 45 000
assinaturas.
Este movimento de cidadãos é
importante pois uma proposta do BE no mesmo sentido já tinha sido chumbada em
comissão parlamentar no início do mês com os votos de PS, PCP e CDS, tendo o
PSD votado com o BE.
Retomo o que afirmei na altura. Parece-me
que qualquer iniciativa que amplie a protecção a crianças em situação
vulnerável merce consideração conforme, aliás, parecer do Instituto de Apoio à
Criança e da Ordem dos Advogados o que, neste caso, pode significar que o
quadro legal existente não é suficientemente protector. Aliás, o voto contra do
PS terá decorrido do entendimento de que lei actual já acautela a questão.
De facto, parece importante a
necessidade de protecção nestas casos considerando o número de situações e os
efeitos destas vivências na vida das crianças e adolescentes.
Como indicador recordo que
segundo do Relatório Anual de Avaliação da Actividade das CPCJ de 2019, a exposição
de crianças e jovens a episódios de violência doméstica foi o tipo de risco
mais comunicado, 28,9% tendo ultrapassado as comunicações por negligência,
28.6. Tal facto, reforça a importância da iniciativa dos cidadãos e do
acolhimento no Parlamento.
Para além de sublinhar os danos
potenciais que esta exposição pode provocar nas crianças gostava de chamar a
atenção para um outro potencial efeito nas crianças que assistem a episódios,
por vezes violentos, de violência doméstica, os modelos de relação pessoal que
são interiorizados. Aliás, nos últimos anos tem-se verificado que a maioria das
queixas de violência doméstica é apresentada por mulheres jovens o que permite
pensar em crianças pequenas que assistirão a estes episódios.
Numa avaliação por defeito aos
casos participados de violência doméstica estima-se que cerca de metade serão
testemunhados por crianças. Se considerarmos que existem muitíssimas situações
não reportadas, pode concluir-se que estas testemunhas, por vezes também
vítimas, serão em número bem mais elevado.
Este quadro lembra o velho adágio
"Filho és, pai serás", ou seja, num processo de modelagem social
muitas crianças tenderão a replicar ao longo da sua vida, em adultos também, os
comportamentos a que assistiram e que, tal como podem produzir efeitos
traumáticos, poderão adquirir aos seus olhos, infelizmente, um estatuto de
normalidade.
Não é certamente por acaso que
estudos recentes em Portugal evidenciaram números elevadíssimos de violência em
casais de jovens namorados universitários, uma população já com níveis de
qualificação significativos.
Neste contexto e com o objectivo
de contrariar uma espécie de fatalidade em círculo vicioso, os miúdos assistem
à violência doméstica, replicam a violência, a sociedade é violenta, quando
crescem são violentos em casa, e assim sucessivamente, importa que os processos
educativos e de qualificação sublinhem a dimensão, a formação cívica e o quadro
de valores.
Não é nada de novo, a afirmação
desta necessidade.
A questão é que o próprio
discurso social e político sobre a escola e sobre os professores não me parece
contribuir para que se possa encarar a escola com a confiança necessária a que
possa cumprir o seu papel e contribuir para quebrar o círculo vicioso do
processo de modelagem social envolvido.
Acresce que a intervenção junto
das famílias e a tentativa de contrariar dinâmicas disfuncionais, violência
doméstica por exemplo, não dispõe dos meios e recursos suficientes.
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