quarta-feira, 1 de julho de 2020

O PRÓXIMO ANO LECTIVO

No lento processo de desconfinamento do Ministro da Educação vamos conhecendo algumas ideias para o próximo ano lectivo que para muitos alunos perdidos na distância a que ficaram da escola será, provavelmente, o mais importante do seu trajecto. É verdade que não havia razão para estarmos precupados com o pouco conhecimento disponível, ainda faltam ... dois meses sendo que um é Agosto.
Assim, soubemos que o ano lectivo se iniciará entre 14 e 17 de Setembro, que a intenção é que seja presencial o que depende da evolução da situação de saúde pública e que as primeiras cinco semanas de aula serão destinadas à recuperação das aprendizagens. Soubemos também que no Programa de Estabilização Económica e Social se previa uma dotação para equipamento informático e recursos digitais para escolas e alunos para a promoção da transição digital, o novo mantra.
Existirão 125 milhões de euros destinados à contratação de “mais professores, pessoal não docente e técnicos especializados”, como psicólogos e “assistentes sociais e mediadores”. Serão contratados mais 500 assistentes operacionais e 200 assistentes.
Acresce o aumento de 25% no crédito horário das escolas.
Por outro lado, o Ministro expressou a intenção de  triplicar o programa de apoio tutorial específico e alarga-lo aos alunos do ensino secundário. Até agora este tipo de apoio era destinado a alunos com pelo menos duas retenções e no próximo ano poderá apoiar alunos na primeira retenção.
No seu enunciado estas ideias parecem positivas e registo não virem acompanhadas da retórica da inovação e da mudança de paradigma.
A minha questão é a forma como tudo pode vir a funcionar e os recursos reais que ficarão ao dispor das escolas.
Desde o início do terceiro período que aqui escrevi várias vezes sobre a necessidade de adequar o início do próximo lectivo face à forma como este decorreu defendendo medidas como “Redefinir o número de alunos por turma e ou a constituição de grupos para trabalho tutorial. Reforçar os dispositivos de apoio específico a alunos com necessidades mais acentuadas e a alunos com necessidades especiais reforçando os recursos das EMAEI. Apesar de ser parte interessada parece-me claro a necessidade de reforço de profissionais de psicologia da educação.” O que agora foi anunciado vai neste sentido, mas aguardo para ver.
Algumas notas.
Tenho alguma dificuldade em perceber a razão para definir cinco semanas para a recuperação das aprendizagens. A diversidade de situações no número e na tipologia aconselham a que sejam as escolas a avaliar as necessidades e com os recursos necessários definir planos e dispositivos de apoio que dificilmente imagino durarem as primeiras cinco semanas lectivas.
O reforço do programa tutoria é, em princípio uma medida importante e que também de há muito defendo
Os modelos de natureza tutorial, conforme as boas práticas já existentes em muitas escolas e os estudos nacionais e internacionais sustentam, são ferramentas sólidas e eficazes para acomodar e responder a dificuldades de alunos e professores nos processos de ensino e aprendizagem.
Aliás, é também interessante o recurso a alunos para programas de tutoria com vantagens recíprocas, para tutores e para tutorandos.
No entanto e considerando o Programa Tutorial em vigor recordo que conforme a avaliação de 17/18 da Inspecção-Geral 75% dos 2537 professores tutores participantes não tem formação específica e 34% dos agrupamentos não possuem qualquer docente com formação área
Ainda como dificuldade é referido que apesar de alguma flexibilidade introduzida posteriormente ao início do programa, o número elevado de alunos por grupo em apoio tutorial específico é elevado, 46% dos grupos têm mais 10 alunos, o efectivo definido no programa.
Talvez ajude a perceber estes indicadores recordar que o actual Programa de Apoio Tutorial Específico define quatro horas semanais por professor tutor para 10 alunos como princípio, e considerando o perfil de intervenção definido e que julgo adequado, tem evidentes constrangimentos.
Para comparação, um Projectos da Iniciativa Educação, apoiada pela família Soares dos Santos e coordenada por Nuno Crato, destinado à área da literacia tem como estratégia privilegiada o apoio tutorial mas cada professor tutor terá um máximo de 3 alunos e estes terão entre 3 e 5 sessões semanais de 30 a 45m. Lamentavelmente Nuno Crato não se lembrou deste dispositivo enquanto Ministro da Educação
Importa, pois que os recursos passem das intenções à realidade embora também saibamos, tivemos mais um exemplo nos últimos meses, que o empenho, competência e profissionalismo da generalidade dos professores minimizam insuficiências que ninguém estranhará. No entanto, não existem milagres e a negação de dificuldades ou exercícios de “wishfull thinking” não resolvem os problemas.
Recordemos as funções atribuídas e que agora se estendem ao secundário.
a) Reunir nas horas atribuídas com os alunos que acompanha;
b) Acompanhar e apoiar o processo educativo de cada aluno do grupo tutorial;
c) Facilitar a integração do aluno na turma e na escola;
d) Apoiar o aluno no processo de aprendizagem, nomeadamente na criação de hábitos de estudo e de rotinas de trabalho;
e) Proporcionar ao aluno uma orientação educativa adequada a nível pessoal, escolar e profissional, de acordo com as aptidões, necessidades e interesses que manifeste;
f) Promover um ambiente de aprendizagem que permita o desenvolvimento de competências pessoais e sociais;
g) Envolver a família no processo educativo do aluno;
h) Reunir com os docentes do conselho de turma para analisar as dificuldades e os planos de trabalho destes alunos
Quem conhece a realidade das escolas e as problemáticas complexas dos alunos em insucesso, com desmotivação, desregulação de comportamento, ausência de projecto de vida, falta de enquadramento e suporte familiar, lacunas graves nos conhecimentos escolares de anos anteriores (caso extremo neste que agora termina), etc., quase sempre presentes e só para referir dimensões relativas aos alunos, percebe a dificuldade de reverter um trajecto escolar em grande risco.
Confiando nas escolas sustentando a sua autonomia o ME divulgaria orientações e a possibilidade de alocar recursos a estes programas e as escolas, com base na avaliação de necessidades, organizariam os seus programas de tutoria, definindo destinatários, professores e técnicos envolvidos, tempos de realização e objectivos a atingir.
Caberia, evidentemente, às escolas e ao ME a regulação e acompanhamento dos programas e a sua avaliação. Seria ainda desejável que o trabalho a desenvolver, os conteúdos envolvidos, os dispositivos em utilização, a organização de tempos e rotinas, etc., tivessem como preocupação a simplificação, professores alunos e famílias ganhariam. Esta simplificação deve incluir a avaliação e registos. Seria positivo que, tanto quanto possível, se aliviasse a pressão “grelhadora” a que habitualmente escolas e professores estão sujeitos.
Como é evidente, este apelo à simplificação não tem a ver com menos rigor, qualidade, intencionalidade educativa ou não proporcionar tempo de efectiva aprendizagem para todos. Antes pelo contrário, se conseguirmos simplificar processos e recursos, alunos, professores e famílias beneficiarão mais do esforço enorme que este tipo de trabalho implica como todos já podemos assegurar.
Sabemos, é uma referência comum, a existência de “constrangimentos” que pesam nos recursos disponíveis sendo que a formação aqui se constitui como eixo importante como é sublinhada no actual relatório.
No entanto, mais uma vez e não esquecendo a necessidade de combater desperdício e ineficácia, é bom recordar que a qualidade da educação e a promoção do sucesso para todos os alunos não representam despesa, são investimento.
Como já escrevi, se este ano lectivo terá sido o ano lectivo mais estranho de quem o viveu, o próximo poderá ser o mais importante para quem viveu este.

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