A Professora Isa Gomes, do 1.º ciclo e uma das docentes que
participou na iniciativa “Estudo em Casa”, afirmou numa entrevista ao Expresso e em
resposta à habitual questão “que anda a ler?” que “Leituras? Não sou
muito de leituras. Não sou muito de ler livros, mas sempre adorei tê-los”.
Como seria de esperar, as águas agitaram-se com a ingénua
confissão da Professora e percebe-se a reacção. Como se sabe vivemos num país
com hábitos de leitura bastante robustos em todas as franjas etárias. Nos
últimos meses não acontece nenhuma zoomificada aparição televisiva que não seja
emoldurada por visíveis e preenchidas estantes carregadas de livros. Os índices
de leitura real e digital da imprensa chamada de referência são altíssimos. As
tiragens no mercado livreiro das boas obras da actual literatura em português
atingem números extraordinários. As bibliotecas de diferente natureza são
frequentadas regularmente por adultos e crianças.
Neste contexto, o assumir dos seus comportamentos de leitora
representa, por assim dizer, uma espécie de saída do armário que, do meu ponto
de vista, deve sublinhar-se.
Um pouco mais a sério e sobre as questões da leitura e da
construção de hábitos de leitura algumas notas em linha com o que aqui já tenho
afirmado.
Segundo os dados do PISA 2018, 22% dos alunos de 15 anos entende
que “ler é uma perda de tempo” e 31% afirma que só lê quando é obrigado.
Nunca é demais sublinhar a importância dos livros e dos
hábitos de leitura na vida das crianças. São ferramentas cruciais de construção
pessoal e cívica, de construção e acesso ao conhecimento, informação e à
cultura pelo que repesco umas notas.
São múltiplos os estudos que sublinham essa importância, no
trajecto escolar e no trajecto pessoal, como também muitos trabalhos mostram
que os hábitos de leitura são pouco consistentes entre as crianças,
adolescentes e jovens como, sem surpresa, também o são entre a população em
geral. Também se sabe que mesmo a leitura de obras integradas no trabalho
escolar é substituída pelo recurso a resumos e fichas que se encontram
facilmente.
Sabemos ainda o quanto é positivo que os pais ou outros
“mais crescidos” se envolvam com as crianças, mesmo em idade de
jardim-de-infância, em práticas de leitura e de actividades com os livros para,
por exemplo, contar histórias a partir das imagens. Lembro-me de ouvir o Mestre
João dos Santos afirmar que as crianças aprendem a ler desde que abrem os
olhos.
É verdade que os estilos de vida actuais ou a quantidade de
tempo que muitas crianças passam nas instituições educativas podem minimizar a
disponibilidade familiar para este tipo de actividades depois de dias muito
compridos e cansativos para todos.
Também sei que os livros e materiais desta natureza têm uma
concorrência fortíssima com outro tipo de materiais, jogos ou consolas por
exemplo, e que nem sempre é fácil levar as crianças a outras opções,
designadamente aos livros.
Apesar de tudo isto também sabemos todos que é possível
fazer diferente, mesmo que pouco diferente e com mudanças lentas.
Como várias vezes tenho afirmado e julgo consensual, a
questão central, embora importante, não assenta nos livros, bibliotecas
(escolares ou de outra natureza) ou na presença crescente e atractiva dos
"tablets", a questão central é o leitor, ou seja, o essencial é criar
leitores que, quando o forem, procurarão o que ler, livros por exemplo, espaços
ou recursos, biblioteca, casa ou escola e suportes diferente, papel ou digital.
Aliás e no que se refere suporte digital, o PISA 2018 também
mostra que tem aumentado o tempo médio passado pelos alunos ligados à internet,
média de 2.8 horas diárias durante a semana e 3.5horas ao fim-de-semana. Estes
indicadores sugerem um caminho a explorar.
Creio que também estaremos de acordo que um leitor se
constrói desde o início do processo educativo. Desde logo assume especial
importância o ambiente de literacia familiar e o envolvimento das famílias
neste tipo de situações, através de actividades que desde a educação
pré-escolar e 1º ciclo deveriam ser estimuladas, por vezes são, e para as quais
poderiam ser disponibilizadas aos pais algumas orientações.
Nos primeiros anos de escolaridade é fundamental uma relação
estreita com a leitura, não só com os aspectos técnicos, por assim dizer, da
aprendizagem da leitura e da escrita da língua portuguesa, mas um contacto
estreito e regular com a actividade de leitura, seja do que for considerando as
motivações e culturas diferenciadas apresentadas pelos alunos.
Só se aprende a ler lendo, só se aprende a escrever,
escrevendo, etc.
Voltando à entrevista da Professora Isa a minha dúvida é como
se torna compatível o entendimento de que “não dou aulas, ajudo os miúdos a
quererem saber mais” com “Não sou leitora, nunca fui muito de ler livros”. Não
terá uma tarefa fácil e, provavelmente, os alunos também não.
Como diz Caetano Veloso, “Quando a gente gosta, é claro
que a gente cuida”.
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