Na semana passada coloquei aqui um texto referindo a
realização da minha última aula em termos formais. Fiquei surpreendido e emocionado
com as inúmeras referências que mereceu.
Não será a última aula da minha actividade profissional,
gosto demasiado da sala de aula, da educação e da instituição onde trabalho
para que assim fosse.
A vida é composta de etapas que vão sucedendo e hoje, por
coincidência, Dia Mundial da Criança, é o meu primeiro dia como “aposentado” ou
“reformado”, ainda não decidi como me devo referir.
Manterei algum trabalho docente e de orientação de Teses bem
como alguma colaboração dispersa. O corpo docente das instituições precisa de
ser renovado e dar oportunidade a gente nova e competente que a merece.
Tenho para mim, já aqui o escrevi, que professores e pais
nunca se reformam ou vão de férias, vão fazendo ajustamento em papéis que
sempre desempenharão, no melhor e no menos positivo, de forma mais próxima ou mais distante.
Esta viagem começou lá para trás em 75/76. Num final de
secundário cheio de hesitações, queria trabalhar com gente jovem não no ensino,
mas no comportamento, nas suas capacidades e competências, nas aprendizagens, não me via em medicina. Já tinha sido um passo chegar aqui graças a uns pais que quiseram contrariar o destino e fizeram um
esforço significativo para que estudasse.
No antigo sétimo ano descobri a psicologia e percebi, é por
aqui. Os meus pais tiveram maior dificuldade em perceber o que era a psicologia e como poderia ser um caminho. A verdade é que foi e ... deu-me tudo.
Entrei em 73 no ISPA, na altura a única possibilidade de
estudar psicologia em Portugal e rapidamente percebi que era o caminho e que
passava pela educação, foi um tempo extraordinário.
Em 75/76 participei numa sessão em se divulgava uma
iniciativa emergente, a criação da CERCI de Lisboa como resposta educativa e de
reabilitação a crianças, jovens e adultos fora do sistema de educação formal,
muitos em casa e em instituições genericamente sem fins educativos. Uns dias
depois bati à porta, fui acolhido, comecei como auxiliar de educação e, posteriormente, já como psicólogo integrando uma equipa de pais e técnicos absolutamente
notável que, para além da tentativa de todos os dias fazer o melhor possível, ainda
se empenhou na colaboração para que mais respostas surgissem em todo o país. Foram tempos
de enorme empenho e sentido de dever e também o gozo de trabalhar com grupos de
gente notável na área que tinha escolhido, só poderia trabalhar com os que
estavam do lado de fora da educação.
Em 1981, num tempo em que no ME se dinamizava a resposta escolar
integrada a crianças com necessidades especiais fui convidado para Divisão de
Ensino Especial onde com a liderança de uma figura visionário e motivadora, Dra. Ana Maria Bénard da Costa se construía um modelo de integração escolar destes
alunos através das Equipas de Ensino Especial.
Acompanhando as mudanças, incluindo as legais, que foram
ocorrendo passei por serviços regionais logo no início da sua estruturação,
voltei aos serviços centrais quando foram instituídos os Serviços de Psicologia
e Orientação e posteriormente o Núcleo de Orientação Educativa até que o
desencanto se foi instalando com algumas decisões em matéria de políticas
públicas de educação, os contactos com quem estava nas escolas, uma
característica de muitos anos no trabalho no ME, foram-se esbatendo e reaproximei-me
das minhas origens, o ISPA, primeiro numa colaboração específica, psicologia da
educação e educação de crianças com necessidades especiais e em 94 ingresso no ISPA em exclusividade, até agora. Por um
imperativo de consciência, afecto e justiça devo referir a relação com a
generalidade dos meus colegas, docentes e funcionários, e a relação estabelecida
com muitos e muitos alunos(as), actuais colegas. Uma palavra especial de
agradecimento aos meus antigos e actuais colegas do Departamento de Psicologia
da Educação pela sua grandeza.
Neste balanço breve é imperioso referir a colaboração nas
actividades do ISPA em Beja, um tempo inesquecível e que recordo amiúde, os
amigos criados e os colegas com quem me cruzei, foram muitos e bons.
Entretanto, participei em múltiplos programas de formação
inicial e contínua de docentes de todos os ciclos e níveis de ensino, em muitas
iniciativas de diferente natureza incluindo, naturalmente as de carácter
científico mais formal, mantive alguma produção científica, adquiri os graus inerentes
à carreira, mestrado e doutoramento. Escrevi alguns livros, poucos, gosto mais
de falar que escrever, colaborei em muitas iniciativas no âmbito da comunicação
social e o mais que no universo da educação possa caber.
Todo o trabalho que tenho desenvolvido tem estado assente na
defesa de uma resposta educativa de qualidade para todos os alunos, na defesa
de modelos promotores de inclusão sendo que inclusão envolve ser, estar,
pertencer, participar e aprender e no trabalho com pais e encarregados de
educação. Tem sido para mim sempre claro que só a educação e a escola pública a poderá fazer chegar a todos numa base de equidade.
O que eventualmente continuar a fazer assentará sempre
nestas ideias.
Certamente que vou recuperar algum tempo para outras lidas,
tenho os netos, tenho a leitura, tenho o meu Alentejo, tenho …
Vamo-nos encontrando, hoje é só o primeiro do resto da
minha vida.
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