segunda-feira, 1 de junho de 2020

O PRIMEIRO DIA


Na semana passada coloquei aqui um texto referindo a realização da minha última aula em termos formais. Fiquei surpreendido e emocionado com as inúmeras referências que mereceu.
Não será a última aula da minha actividade profissional, gosto demasiado da sala de aula, da educação e da instituição onde trabalho para que assim fosse.
A vida é composta de etapas que vão sucedendo e hoje, por coincidência, Dia Mundial da Criança, é o meu primeiro dia como “aposentado” ou “reformado”, ainda não decidi como me devo referir.
Manterei algum trabalho docente e de orientação de Teses bem como alguma colaboração dispersa. O corpo docente das instituições precisa de ser renovado e dar oportunidade a gente nova e competente que a merece.
Tenho para mim, já aqui o escrevi, que professores e pais nunca se reformam ou vão de férias, vão fazendo ajustamento em papéis que sempre desempenharão, no melhor e no menos positivo, de forma mais próxima ou mais distante.
Esta viagem começou lá para trás em 75/76. Num final de secundário cheio de hesitações, queria trabalhar com gente jovem não no ensino, mas no comportamento, nas suas capacidades e competências, nas aprendizagens,  não me via em medicina. Já tinha sido um passo chegar aqui graças a uns pais que quiseram contrariar o destino e fizeram um esforço significativo para que estudasse.
No antigo sétimo ano descobri a psicologia e percebi, é por aqui. Os meus pais tiveram maior dificuldade em perceber o que era a psicologia e como poderia ser um caminho. A verdade é que foi e ... deu-me tudo.
Entrei em 73 no ISPA, na altura a única possibilidade de estudar psicologia em Portugal e rapidamente percebi que era o caminho e que passava pela educação, foi um tempo extraordinário.
Em 75/76 participei numa sessão em se divulgava uma iniciativa emergente, a criação da CERCI de Lisboa como resposta educativa e de reabilitação a crianças, jovens e adultos fora do sistema de educação formal, muitos em casa e em instituições genericamente sem fins educativos. Uns dias depois bati à porta, fui acolhido, comecei como auxiliar de educação e, posteriormente, já como psicólogo integrando uma equipa de pais e técnicos absolutamente notável que, para além da tentativa de todos os dias fazer o melhor possível, ainda se empenhou na colaboração para que mais respostas surgissem em todo o país. Foram tempos de enorme empenho e sentido de dever e também o gozo de trabalhar com grupos de gente notável na área que tinha escolhido, só poderia trabalhar com os que estavam do lado de fora da educação.
Em 1981, num tempo em que no ME se dinamizava a resposta escolar integrada a crianças com necessidades especiais fui convidado para Divisão de Ensino Especial onde com a liderança de uma figura visionário e motivadora, Dra. Ana Maria Bénard da Costa se construía um modelo de integração escolar destes alunos através das Equipas de Ensino Especial.
Acompanhando as mudanças, incluindo as legais, que foram ocorrendo passei por serviços regionais logo no início da sua estruturação, voltei aos serviços centrais quando foram instituídos os Serviços de Psicologia e Orientação e posteriormente o Núcleo de Orientação Educativa até que o desencanto se foi instalando com algumas decisões em matéria de políticas públicas de educação, os contactos com quem estava nas escolas, uma característica de muitos anos no trabalho no ME, foram-se esbatendo e reaproximei-me das minhas origens, o ISPA, primeiro numa colaboração específica, psicologia da educação e educação de crianças com necessidades especiais e em 94 ingresso no ISPA em exclusividade, até agora. Por um imperativo de consciência, afecto e justiça devo referir a relação com a generalidade dos meus colegas, docentes e funcionários, e a relação estabelecida com muitos e muitos alunos(as), actuais colegas. Uma palavra especial de agradecimento aos meus antigos e actuais colegas do Departamento de Psicologia da Educação pela sua grandeza.
Neste balanço breve é imperioso referir a colaboração nas actividades do ISPA em Beja, um tempo inesquecível e que recordo amiúde, os amigos criados e os colegas com quem me cruzei, foram muitos e bons.
Entretanto, participei em múltiplos programas de formação inicial e contínua de docentes de todos os ciclos e níveis de ensino, em muitas iniciativas de diferente natureza incluindo, naturalmente as de carácter científico mais formal, mantive alguma produção científica, adquiri os graus inerentes à carreira, mestrado e doutoramento. Escrevi alguns livros, poucos, gosto mais de falar que escrever, colaborei em muitas iniciativas no âmbito da comunicação social e o mais que no universo da educação possa caber.
Todo o trabalho que tenho desenvolvido tem estado assente na defesa de uma resposta educativa de qualidade para todos os alunos, na defesa de modelos promotores de inclusão sendo que inclusão envolve ser, estar, pertencer, participar e aprender e no trabalho com pais e encarregados de educação. Tem sido para mim sempre claro que só a educação e a escola pública a poderá fazer chegar a todos numa base de equidade.
O que eventualmente continuar a fazer assentará sempre nestas ideias.
Certamente que vou recuperar algum tempo para outras lidas, tenho os netos, tenho a leitura, tenho o meu Alentejo, tenho …
Vamo-nos encontrando, hoje é só o primeiro do resto da minha vida.

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