domingo, 31 de maio de 2020

O PIÃO, LEMBRAM-SE?

Hoje tropecei com uma peça no JN sobre o pião, um dos brinquedos da minha infância. Não sabia, por exemplo, que o pião existirá desde 4000 a.C. tendo sido encontrado vestígios nas margens do rio Eufrates.
Uma das coisas que a velhice traz é a nostalgia do que já passou e as histórias vividas.
Quando eu era gaiato, antes do desenvolvimento ter tapado as quintas da zona onde morava com prédios deixando livre pouco mais que alcatrão, o espaço de brincadeiras era o mais acessível e barato dos equipamentos, a rua. Como os estilos de vida e o quadro de valores ainda tão tinham alimentado a insegurança, quando não havia escola, claro, estávamos na rua, sempre na rua.
As actividades não eram muito sofisticadas nem fantásticas, não ficávamos assim muito excelentes, mas divertíamo-nos a sério, com calor, com frio, com chuva, mesmo à noite. É verdade que alguns dos meus companheiros ainda foram “homens que nunca foram meninos” como lhes chamou Soeiro Pereira Gomes, desde muito cedo fizeram-se ao trabalho.
Mas ainda arranjávamos tempo para brincar, naquela época o tempo era mais barato e havia mais.
Nessa altura os miúdos ainda podiam apanhar chuva e mexer na terra, não conhecíamos as ameaçadoras bactérias, os nossos pais também ainda não eram excelentes e fantásticos sempre na busca de orientações e “coaching” para promover a excelência dos filhos.
Muitas das actividades eram, por assim dizer, sazonais, mais próprias de umas alturas do ano que de outras. Algumas, já delas aqui contei, dariam vontade de rir aos miúdos de hoje mas eram o máximo, a sério.
Andar horas de bicicleta, os poucos que tinham, ou de arco e gancheta em exibição ou competição, realizar intermináveis jogos de futebol, muda aos cinco acaba aos dez, com bolas de cautchu adquiridas através dos rebuçados, jogar hóquei em patins, sem patins, com uma bola de matraquilhos “desviada” no café e com talos de couve com a curva adequada a servir de stick, jogar à descasca com o pião de madeira, são alguns exemplos.
Fazer tiro ao arco com arcos feitos a partir das varetas de guarda-chuvas velhos, passar horas nas diversas variantes dos jogos com berlindes, exercitar a corrida com o jogo da rolha, do lenço à barra, ou do toca e foge, experimentar a estratégia no jogar às escondidas ou a perícia nas corridas de caricas, eram outras das muitas coisas que fazíamos nos nossos tempos livres.
Nesse tempo havia tempo livre, os miúdos hoje quase não têm. Mas são fantásticos e excelentes.
Às vezes ... não.
Não, não estou a dizer que era melhor a rua da minha infância e, muito menos, que a infância naquele tempo era boa, não não era, muitos miúdos passavam mal e não chegavam ... a ser miúdos. Estou apenas a dizer que os miúdos hoje beneficiariam de algumas experiências e oportunidades que as mudanças tiraram do seu quotidiano.


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