Nos últimos dias e a propósito da marcha lenta para o
desconfinamento multiplicam-se as referências ao contacto com os avós e à sua retoma. Ainda ontem colaborei numa peça que estará no Público sobre a minha experiência pessoal neste processo e, por coincidência, revi fisicamente os meus netos, ainda que não muito de muito perto e no papel do Zorro, de mascarilha. Mas foi bom.
Como também tem sido habitual em tempos pandémicos a evidência,
como agora se usa, não é conclusiva, ora é prematuro aproximar os netos dos
avós, ora podemos começar a reaproximação com a devida prudência, etiqueta
respiratória, higienização das mãos e distanciamento físico (por favor, mesmo,
não lhe chamem distanciamento social, é que mais temos tido ainda nos temos
AC).
Também entendem que depende do “estado de conservação dos
avós”, com os mais arruinados a cautela ainda deve ser maior. E também dizem
que …
Bom, a pandemia tem destes efeitos, primeiro descobrimos os
velhos sós e isolados, depois os velhos emprateleirados em lares e agora os velhos
que também são avós. Sejam bem-vindos ao nosso mundo, o mundo dos velhos. E não
tenham pressa de ir embora, deixem-se ficar, gostamos de vos ver por cá.
Os velhos avós são bens de primeira necessidade na vida dos
miúdos. Como sabem há velhos que não têm netos e netos que não têm avós.
Podemos, em sentido contrário ao termo em uso e que tanto me irrita, promover
proximidade social. Ficavam todos mais felizes.
Por outro lado, estamos num tempo tão estranho que para além de não terem os
avós por perto, os miúdos também não têm a escola, o que chega lá casa, à distância, lá
está a distância, … não é a escola e a escola, tal como os avós, é um bem de primeira
necessidade.
A verdade é que escola e avós não são bens para estar à distância, são bens de proximidade e, como sabem, mesmo quando se está à vista pode não se estar próximo.
A verdade é que escola e avós não são bens para estar à distância, são bens de proximidade e, como sabem, mesmo quando se está à vista pode não se estar próximo.
Para sonhar um pouco deixem-me recuperar uma história que
junta avós e escola. Como sabem contar histórias é mesmo coisa de avós e às
vezes repetem-nas, é o caso desta.
De há uns tempos para cá apareceu uma moda naquela terra que
“impede” as pessoas de falarem em brincar nas escolas da terra, é proibido
brincar nas escolas.
A moda foi fabricada por uma gente ignorante de miúdos,
obcecada com trabalho e produtividade, mesmo infantil, uns infelizes escravos
convencidos de que são livres e que também querem escravizar os outros.
Mas ainda existem uns professores, muitos, naquela terra que
não se deixam enganar, sabem ler os miúdos e percebem que eles aprendem porque
também brincam e brincam porque também aprendem. Aliás, brincar e aprender são
as coisas mais sérias que os miúdos fazem, sorte a deles, a de alguns,
felizmente muitos.
Um dia, um desses professores lembrou-se, que sacrilégio, de
dizer aos seus alunos para trazerem para a escola o seu brinquedo preferido. A
Maria trouxe uma boneca. O João apareceu com a consola nova. A Sara vinha
vaidosa com umas bonecas que o pai tinha trazido do estrangeiro. A Irina trazia
o Noddy. O Carlos vinha com uns olhos quase tão grandes como a bola de futebol
que trazia debaixo do braço. O David, sempre pronto para as lutas, trazia uns
bonecos lutadores de wrestling. A Joana não ligava a ninguém com o seu mp3
cheio das músicas de que gosta. Enfim, por um dia, toda gente veio para a
escola com um brinquedo, o seu preferido.
O último a chegar foi o Manel.
Feliz e sorridente entrou na sala de aula com o avô pela
mão.
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