sábado, 2 de maio de 2020

A EDUCAÇÃO NO ECRÃ, NOVO NORMAL?


A permanência em casa de muitas centenas de milhar de alunos bem como de muitos pais tem criado situações extremamente complexas em muitos agregados familiares.
Não existem contextos familiares iguais, as dimensões que os diferenciam são muitas e conciliar todas as solicitações, trabalho ou teletrabalho, apoio às actividades escolares de que, sobretudo os mais novos, não prescindem, tudo o que educação familiar exige, rotinas do funcionamento em casa, etc., constitui uma enorme dificuldade e gera situações complexas.
O mercado, essa entidade mítica e sempre atenta na criação e promoção de necessidades ou na criação de respostas a questões ou necessidades emergentes vem dar um contributo que, como sempre, terá um preço que, também como sempre, nem todos podem ou, por diferentes razões, não querem pagar.
Face ao cenário de dificuldades referido acima, nos últimos meses foram criados, agora também em Portugal, serviços de babysitting virtual. O apoio de baby sitters em Portugal está disponível para crianças a partir dos três anos e assenta em períodos de uma hora de apoio a uma ou duas crianças. Durante a sessão desenvolvem-se actividades adequadas às idades das crianças assistentes.
Camões afirmava que “todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades” e nós sabemos que assim é e assim será, mudança e novas qualidades, melhores ou piores, são o caminho.
No entanto, creio que ninguém antecipava a mudança e as novas qualidades que estamos a conhecer.
De repente, para crianças, adolescentes e jovens e para muitos de nós, mais velhos, o mundo ficou no ecrã. A escola, a informação, o conhecimento chegam pelo ecrã, a família e os amigos chegam pelo ecrã, a ocupação do tempo confinado em casa chega pelo ecrã. Neste contexto, também chega pelo ecrã o babysitting virtual. Mais uma nova qualidade na mudança do mundo. E os riscos, de diferente natureza, para que tantos alertávamos e alertamos da sobreexposição aos ecrãs? Sim, claro que existem. E alternativas? Teremos que condescender, são tempos excepcionais.
Estas novas qualidades no mundo da educação escolar e familiar talvez até sejam mesmo só o início. Talvez as novas qualidades nos tragam mesmo um qualquer dispositivo de natureza robótica que nos espaços escolares desempenhe o papel de professor e no contexto familiar desempenhe o papel de pais e encarregados de educação.
Tal perspectiva atrairá uns quantos, os que olham para os professores como “entregadores de conteúdos”, os alunos “como dispositivos de aprendizagem” e a avaliação como medida e também, naturalmente realizada online. Também poderá atrair alguns pais “ausentes” por razões que se prendem com a sua visão e projecto de vida nos quais algum “do preço (tempo) a pagar por ter filhos” pode ser assumido por uma máquina.
No entanto, é minha convicção e profundo desejo que não nos demitamos de uma palavra exigente sobre as “novas qualidades” que o mundo irá tomar, também no universo da educação familiar e escolar. A educação escolar e a educação familiar não cabem num ecrã ou num dispositivo tecnológico por mais sofisticado que seja, embora o ecrã e os dispositivos tecnológicos caibam na educação escolar e na educação familiar e é importante e necessário que assim seja.
Pais com tempo, disponibilidade e com apoios, professores competentes e com recursos adequados, são bens de primeira necessidade imprescindíveis na vida de todas as crianças, adolescentes e jovens, de todas as crianças, em particular das mais vulneráveis. E importa que estejam ao alcance do gesto, da relação, da empatia e da emoção, do olhar para dentro deles.
Este será sempre, espero eu, o “novo normal”.
Voltando a Camões, não sou do Restelo e ainda não sou assim tão Velho, é mesmo só da atenta inquietude.

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