Numa peça no DN sobre as dificuldades criadas na avaliação escolar a realizar neste terceiro período dadas as circunstâncias conhecidas,
li que a “grande maioria dos docentes trocou os testes por apresentações,
pela valorização da assiduidade e do esforço demonstrado” e que “Diretores
e professores consideram que este é apenas um passo no caminho certo, aquele
que já deveria ser o da educação, e que as escolas devem aproveitar esta
oportunidade para mudar o paradigma”.
Fiquei inquieto, outra mudança de paradigma?! Estava até um
pouco mais tranquilo por ter lido que o Secretário de Estado Adjunto e da
Educação tinha afirmado muito recentemente que “Não pensemos que o que
aconteceu neste terceiro período, e está a acontecer, é uma mudança
paradigmática na educação. É um remendo para poder levar este ano letivo até ao
fim e agora interessa-nos estarmos num trabalho de preparação para o próximo
ano letivo”.
Continua a surpreender-me a facilidade com que a propósito
de qualquer reflexão sobre alguma dimensão do universo da educação se afirma a
necessidade um novo paradigma.
Do meu ponto de vista, o que já há muito sabemos de avaliação escolar suporta a resposta aos desafios que os tempos nos colocam, a
diversidade dos alunos e a questão da educação inclusiva ou a o papel das novas
tecnologias, por exemplo.
A necessidade é mais no sentido de recorrer ao que sabemos e
adequar concepções, metodologias e dispositivos, não de mudar de paradigma que,
nas mais das vezes, nem consigo perceber o que será. Certamente uma dificuldade
minha.
Uma notas telegráficas sobre esta coisa da avaliação escolar.
Os procedimentos e dispositivos de avaliação traduzem uma
concepção de educação e ensino/aprendizagem. Um modelo de educação selectivo e
competitivo ou modelo de natureza mais inclusiva não recorrerão exactamente aos
mesmos dispositivos de avaliação.
Nesta perpectiva a avaliação escolar enquadra-se numa perspectiva
mais lata de diferenciação como resposta à diversidade dos alunos e à promoção
do sucesso educativo. Aproveito a referência para continuar a defender que “diferenciação
pedagógica” não é uma medida a prescrever (ainda que universal) como determina
o DL 54/2018, mas uma concepção de educação e ensino que pretende acomodar as
diferenças entre alunos, a característica mais óbvia de qualquer grupo escolar.
A avaliação deve sempre relativizar-se a um(s) objectivo(s)
identificado(s) pois a avaliação cumpre diferentes funções que, naturalmente, sustentam
a forma como é operacionalizada.
Os dispositivos de avaliação devem decorrer e ajustar-se aos
conteúdos e dimensões a avaliar pois nem tudo avalia tudo.
A avaliação deve considerar processos e produtos e
diversificar conteúdos e dimensões o que sublinha a necessidade da sua função
reguladora.
Os dispositivos de avaliação devem ser diversificados na
forma e natureza pois são múltiplas as formas de expressão e os dispositivos
passíveis de ser utilizados
Deve providenciar-se aos alunos informação sobre os
critérios e dispositivos de avaliação. Os estudos sugerem que a percepção mais
clara do que é pedido está associada à qualidade do desempenho e mais presente
nos melhores alunos o que que solicita a atenção para que todos percebam a
forma como são avaliados.
Importa ponderar o impacto/consequências das decisões decorrentes
do processo de avaliação. Com alguma frequência as decisões em matéria de
avaliação são tomadas considerando a informação a “montante” do momento da
decisão. Em muitos casos será útil considera o impacto, o que acontecerá a “jusante”
conforme a decisão a tomar.
Importa que o processo de avaliação seja económico no tempo
e no trabalho evitando o risco da “grelhagem compulsiva” e “burocratização”.
Também parece claro que em matéria de avaliação, mas não só,
precisamos de equilíbrios.
Evitar uma excessiva centração em referências de natureza
normativa pois criam constrangimentos em matéria de diferenciação e inclusão o
que não significa, sublinho, não as utilizar.
Também parece de considerar necessário não sobrevalorizar a
dimensão sumativa da avaliação, mais centrada em produtos que em processos e
equilibrar com dispositivos de natureza formativa com efeitos reguladores.
Os alunos, como todos os indivíduos, têm competências e
capacidades diferenciadas considerando áreas de saber e desempenho. Assim,
parece ser necessário alguma prudência na generalização dos resultados de cada
aluno, uma árvore faz parte da floresta, mas não é a floresta.
Finalmente, parece interessante ter sempre presente que a avaliação
não é a contabilidade dos insucessos e reforçar o seu papel como dimensão
crítica na qualidade dos processos de ensino e de aprendizagem.
Se sabemos tudo isto, por que razão precisamos de uma
mudança de paradigma? Recordo Lampedusa e a ideia que é preciso que tudo mude
para que tudo fique como está.
Não, não precisamos de mudar tudo, de um novo paradigma,
trata-se ajustar o que fazemos ao que sabemos. É fácil de afirmar, é difícil de
realizar, mas é o caminho.
1 comentário:
Como se de um momento para o outro o que se faz, suportado pelo método e pela lei, precisasse de ser abolido. Da ciência que suporte o novo paradigma nem uma palavra. Porquê? Não há. É a escola do "eu acho". Não é que não haja lugar a uma melhoria. Há sempre, e o sistema educativo, no seu todo, tem acompanhado. Por exemplo, no ensino das línguas a apresentação oral passou mesmo a integrar a lei como um peso definido.
A escola está hoje muito permeável à ignorância de sujeitos externos e internos. Relativamente aos primeiros, há que tolerar e explicar. Já relativamente aos segundos, o problema é mesmo grave, a ignorância técnica passa a incompetência que, somada à mediocridade governamental e a uma boa dose de servilismo só pode redundar no pior. E atenção, não me cansarei de repetir as palavras do colega da Lusófona, "os ignorantes são capazes de produzir formas mais sedutoras de ignorância".
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