sábado, 13 de junho de 2020

DA SAÚDE MENTAL DOS PORTUGUESES NOS TEMPOS QUE VIVEMOS


Como escrevi há algum tempo, a dimensão e a complexidade da situação inédita que que temos vivido e estará ainda longe de terminar não pode deixar de ter múltiplos reflexos significativos no nosso quotidiano, uns mais óbvios e abordados que outros. Uma das dimensões que também solicita grande atenção é o forte impacto na saúde mental e no bem-estar psicológico das pessoas, pequenas e grandes ou ainda as “mais grandes”, os mais velhos. Algumas inquietações.
Começando por estes últimos e integrando desde o início os grupos de risco o dever de recolhimento a situação é ainda mais séria. Muitos idosos, boa parte a viver sós, e depois confinados, sentirão muito provavelmente aumentar os níveis de isolamento. Sendo certo que viver só não significa viver isolado, a verdade é que a situação em que vivem aumenta o risco de isolamento. Não saem de casa ou saem muito menos, os pequenos estabelecimentos e as relações de vizinhança, um suporte funcional e psicológico na sua vida, estiveram muito menos disponíveis. Acresce que muitas destas pessoas não têm competências digitais e recursos que poderiam ter ajudado a minimizar a solidão e o isolamento que alimentam o risco da ansiedade, do stresse ou de um quadro depressivo. As famílias, quando existem, também têm vivido enredadas nos seus próprios constrangimentos e também devido à situação sanitária e necessidade de protecção própria e dos idosos baixam o nível de contacto.
É na verdade um quadro de risco elevado em termos de saúde mental e bem-estar-psicológico.
No que respeita às famílias as questões são mais complexas.
Os contextos familiares são extraordinariamente diversificados. Muitas pessoas, devido à sua profissão, continuaram a trabalhar, boa parte delas em actividades com risco elevado o que, naturalmente se repercute nas dinâmicas familiares. São conhecidos múltiplos casos de profissionais de saúde que estiveram ou estarão ainda a residir em espaços que não a sua casa de família para a proteger. É um factor acrescido de preocupação e risco.
Em muitos milhares de famílias com crianças até aos 12 anos um dos pais, pelo menos, estará em casa no apoio aos filhos. Em muitas famílias os pais estão em casa em situação de teletrabalho que têm de conciliar com as rotinas familiares e com o apoio às actividades escolares dos filhos, tanto mais exigente quanto mais novos são por menor autonomia e maior necessidade de suporte e atenção.
Ainda no quadro familiar, o número de pessoas, a tipologia dos espaços, os equipamentos e recursos disponíveis, as idades e o número de filhos, os níveis de literacia global e digital para as tarefas de apoio às actividades dos filhos no âmbito do ensino à distância, são outras variáveis que importa considerar.
Famílias monoparentais, em situação de guarda partilhada dos filhos ou famílias com crianças ou jovens com necessidades especiais experimentam também dificuldades significativas de adaptação a estes tempos de chumbo.
Se considerarmos ainda que muitas famílias atravessaram e atravessam sérias dificuldades económicas por perda total ou parcial de rendimentos vivendo ou aguardando por apoios, e por um regresso à “normalidade” possível que não se sabe se e quando acontecerá, teremos um quadro global extremamente preocupante.
Acresce que apesar de se vislumbrar como tem sido dito uma luz ao fim do túnel, o túnel terá ainda um comprimento muito pesado.
Neste quadro, considerando os múltiplos aspectos que referi, parece claro o enorme risco de situações de stresse e crispação ou tensão, solidão, ansiedade, impotência e algum desespero. Este mal-estar ou o risco da sua instalação pode afectar os adultos e, naturalmente, também as crianças e jovens. Não será de estranhar que se possam verificar alterações no seu comportamento. Importa estar atento a essas alterações, perceber e tentar entender, procurar apesar de não ser fácil uma dose suplementar de paciência e confiança ou, se necessário e sem reserva, solicitar alguma orientação através de canais que têm sido divulgados.
Assim, todo este cenário não será certamente alheio ao facto divulgado pelo Infarmed de que no primeiro trimestre de 2020 foram vendidas cerca de cinco milhões de embalagens de psicofármacos fundamentalmente ansiolíticos e antidepressivos, mais 400 000 que no mesmo período do ano anterior, sendo que se regista um preocupante recurso à automedicação. Muito provavelmente o segundo trimestre será também marcado pela aumento do consumo. Aliás, Portugal é o quinto país da OCDE no consumo destes fármacos.
Tem sido também divulgado que estruturas do Serviço Nacional de Saúde ou privadas têm disponibilizado linhas de apoio de natureza psicológica como também o têm feito outras identidades ou mesmo através de iniciativas de natureza individual.
Também sabemos que o impacto de problemas de saúde mental ou de bem-estar psicológico qualidade de vida de pessoas e famílias é fortíssimo.
A situação que vivemos torna tudo mais difícil, mas importa estar atento e ter confiança que na forma como iremos saindo dela estará contemplada a promoção da saúde mental
Existe muita gente a passar mal, pode ser na casa do lado.
No entanto, somos resilientes e queremos viver, seremos capazes de continuar.

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