Como escrevi há algum tempo, a
dimensão e a complexidade da situação inédita que que temos vivido e estará
ainda longe de terminar não pode deixar de ter múltiplos reflexos
significativos no nosso quotidiano, uns mais óbvios e abordados que outros. Uma
das dimensões que também solicita grande atenção é o forte impacto na saúde mental e no bem-estar
psicológico das pessoas, pequenas e grandes ou ainda as “mais grandes”, os mais
velhos. Algumas inquietações.
Começando por estes últimos e
integrando desde o início os grupos de risco o dever de recolhimento a situação
é ainda mais séria. Muitos idosos, boa parte a viver sós, e depois confinados,
sentirão muito provavelmente aumentar os níveis de isolamento. Sendo certo que
viver só não significa viver isolado, a verdade é que a situação em que vivem
aumenta o risco de isolamento. Não saem de casa ou saem muito menos, os
pequenos estabelecimentos e as relações de vizinhança, um suporte funcional e
psicológico na sua vida, estiveram muito menos disponíveis. Acresce que muitas
destas pessoas não têm competências digitais e recursos que poderiam ter
ajudado a minimizar a solidão e o isolamento que alimentam o risco da
ansiedade, do stresse ou de um quadro depressivo. As famílias, quando existem,
também têm vivido enredadas nos seus próprios constrangimentos e também devido
à situação sanitária e necessidade de protecção própria e dos idosos baixam o
nível de contacto.
É na verdade um quadro de risco
elevado em termos de saúde mental e bem-estar-psicológico.
No que respeita às famílias as
questões são mais complexas.
Os contextos familiares são
extraordinariamente diversificados. Muitas pessoas, devido à sua profissão,
continuaram a trabalhar, boa parte delas em actividades com risco elevado o
que, naturalmente se repercute nas dinâmicas familiares. São conhecidos
múltiplos casos de profissionais de saúde que estiveram ou estarão ainda a
residir em espaços que não a sua casa de família para a proteger. É um factor
acrescido de preocupação e risco.
Em muitos milhares de famílias
com crianças até aos 12 anos um dos pais, pelo menos, estará em casa no apoio
aos filhos. Em muitas famílias os pais estão em casa em situação de
teletrabalho que têm de conciliar com as rotinas familiares e com o apoio às
actividades escolares dos filhos, tanto mais exigente quanto mais novos são por
menor autonomia e maior necessidade de suporte e atenção.
Ainda no quadro familiar, o
número de pessoas, a tipologia dos espaços, os equipamentos e recursos
disponíveis, as idades e o número de filhos, os níveis de literacia global e
digital para as tarefas de apoio às actividades dos filhos no âmbito do ensino
à distância, são outras variáveis que importa considerar.
Famílias monoparentais, em
situação de guarda partilhada dos filhos ou famílias com crianças ou jovens com
necessidades especiais experimentam também dificuldades significativas de
adaptação a estes tempos de chumbo.
Se considerarmos ainda que muitas
famílias atravessaram e atravessam sérias dificuldades económicas por perda
total ou parcial de rendimentos vivendo ou aguardando por apoios, e por um
regresso à “normalidade” possível que não se sabe se e quando acontecerá, teremos
um quadro global extremamente preocupante.
Acresce que apesar de se
vislumbrar como tem sido dito uma luz ao fim do túnel, o túnel terá ainda um
comprimento muito pesado.
Neste quadro, considerando os
múltiplos aspectos que referi, parece claro o enorme risco de situações de
stresse e crispação ou tensão, solidão, ansiedade, impotência e algum
desespero. Este mal-estar ou o risco da sua instalação pode afectar os adultos
e, naturalmente, também as crianças e jovens. Não será de estranhar que se
possam verificar alterações no seu comportamento. Importa estar atento a essas
alterações, perceber e tentar entender, procurar apesar de não ser fácil uma
dose suplementar de paciência e confiança ou, se necessário e sem reserva,
solicitar alguma orientação através de canais que têm sido divulgados.
Assim, todo este cenário não será
certamente alheio ao facto divulgado pelo Infarmed de que no primeiro trimestre
de 2020 foram vendidas cerca de cinco milhões de embalagens de psicofármacos
fundamentalmente ansiolíticos e antidepressivos, mais 400 000 que no mesmo período do ano anterior, sendo que se regista um
preocupante recurso à automedicação. Muito provavelmente o segundo trimestre será
também marcado pela aumento do consumo. Aliás, Portugal é o quinto país da OCDE
no consumo destes fármacos.
Tem sido também divulgado que
estruturas do Serviço Nacional de Saúde ou privadas têm disponibilizado linhas
de apoio de natureza psicológica como também o têm feito outras identidades ou
mesmo através de iniciativas de natureza individual.
Também sabemos que o impacto de
problemas de saúde mental ou de bem-estar psicológico qualidade de vida de
pessoas e famílias é fortíssimo.
A situação que vivemos torna tudo
mais difícil, mas importa estar atento e ter confiança que na forma como iremos
saindo dela estará contemplada a promoção da saúde mental
Existe muita gente a passar mal,
pode ser na casa do lado.
No entanto, somos resilientes e
queremos viver, seremos capazes de continuar.
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