Terminam hoje as actividades
lectivas do ano mais estranho de que me lembro em sessenta anos de ligação à
escola. Nunca as aulas terminaram sem que os alunos estivessem na sala … de
aulas.
A situação desencadeada pela
pandemia atropelou alunos, professores e famílias, virou a nossa vida do avesso
e criou enormes dificuldades económicas cuja recuperação não será fácil nem
breve.
Após o fecho das escolas importa registar
o esforço gigantesco de professores e escolas tentando a tarefa impossível,
levar a sala de aula para o cantinho de cada aluno.
Impossível por não se poder levar
a sala de aula inteira e como a conhecemos dentro de um ecrã, mesmo para os
mais familiarizados com este tipo de trabalho. O que foi feito com enorme
esforço, com metodologia e dispositivos nem sempre adequados foi um plano de emergência.
É verdade que muita gente pareceu deslumbrada e alguns mais prudentes, apesar
de reconhecer o esforço, desde cedo referiram enormes limitações e riscos,
sobretudo, para as crianças mais novas, menos autónomas e para alunos com
necessidades especiais.
Impossível ainda porque os
cantinhos dos alunos são muito diferentes, alguns nem sequer têm cantinhos.
Dificuldades nos recursos digitais e no acesso à rede, literacia digital e
global das famílias, idade, número de crianças em idade escolar em casa, pais
em teletrabalho ou a trabalhar fora, famílias monoparentais, etc., são apenas
algumas das variáveis associadas ao que será o “cantinho” de cada aluno.
Assim e sem estranheza, mas com
enorme preocupação foi-se percebendo como a desigualdade se alimentava, que
muitos alunos foram ficando mais distantes da escola ou completamente
desligados, que muitos alunos com necessidades especiais ficaram em situação
muito complicada. Muitas famílias, dividindo-se entre parentalidade, apoio
escolar, logística familiar, teletrabalho ou trabalho no exterior e
dificuldades económicas, também nem sempre conseguem a serenidade e disponibilidade
necessárias.
O ano termina sem que todos os
recursos digitais necessários tivessem chegado a todos os alunos apesar do esforço
de escolas, autarquias e outras entidades.
O trabalho realizado foi de uma
extrema latitude em metodologias, dispositivos e plataformas utilizadas,
actividades e gestão curricular e horários, literacia docente em matéria de
e-learning (muito do que foi feito como E@Distância está longe de e-learning)
entre outros aspectos.
Estamos agora na fase de
avaliação e, naturalmente, a tarefa é difícil na metodologia, conteúdos,
objecto, etc., como qui tenho referido e tem sido objecto de muitas referências.
Considerando tudo isto, é crítico
que o próximo ano seja mesmo um Novo ano lectivo. Assim como este ano não foi
atípico também o próximo o será, mas é urgente a definição tanto quanto
possível do que será, não podemos correr o risco de termos como em 2019/2010
sobretudo abordagens reactivas, precisamos de abordagens proactivas.
Ainda não sabemos se será possível
como toda a gente deseja o regresso às aulas presenciais ou um modelo misto.
Em qualquer das situações
precisamos de definir rapidamente as orientações e os recursos necessários ao
primeiro grande grupo de objectivos, reconstruir a relação com a escola perdida
por muitos alunos, consolidar aprendizagens, promover aprendizagens e
desenvolvimento não realizado.
Precisamos de definir um quadro
flexível e não burocratizado de disponibilização de recursos necessários,
docentes e técnicos para dispositivos de apoio, tutoria, trabalho com grupos
mais pequenos ou de dimensão flexibilizada de acordo com as especificidades de
cada contexto/comunidade e a avaliação de docentes e escolas.
Precisamos de definir orientações
em matéria de carga horária para alunos e professores, metodologias e formação
adequada no caso de alguma parte do trabalho continuar de forma não presencial.
A experiência deste terceiro período mostra o quento está por fazer apesar de
boas práticas que, como sempre, também acontecem e merecem reconhecimento.
Não me parece que, como já vi,
referências a custos incomportáveis dos dispositivos de apoio sejam correctas.
Primeiro, porque os custos não sobem de forma aritmética. Não se trata de “dividir
as turmas em duas e precisarmos do dobro dos professores”, é disparate,
desculpem. Trata-se de, com base nas avaliações e com orientações claras,
regulação e autonomia assumirmos o grau de diferenciação nas respostas que
precisamos de garantir para promover educação tão bem-sucedida quanto possível
para todos os alunos.
Em segundo lugar por que a
educação de qualidade e conforme as necessidades é matéria de direitos e é o
único caminho que nos leva a um futuro melhor. Acresce que as políticas
públicas traduzem uma visão de sociedade e prioridades que a história julgará.
Este ano lectivo terá sido o ano
lectivo mais estranho de quem o viveu. O próximo ano lectivo poderá ser o mais
importante para quem viveu este.
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