sexta-feira, 26 de junho de 2020

DO ANO LECTIVO MAIS ESTRANHO AO ANO LECTIVO MAIS IMPORTANTE


Terminam hoje as actividades lectivas do ano mais estranho de que me lembro em sessenta anos de ligação à escola. Nunca as aulas terminaram sem que os alunos estivessem na sala … de aulas.
A situação desencadeada pela pandemia atropelou alunos, professores e famílias, virou a nossa vida do avesso e criou enormes dificuldades económicas cuja recuperação não será fácil nem breve.
Após o fecho das escolas importa registar o esforço gigantesco de professores e escolas tentando a tarefa impossível, levar a sala de aula para o cantinho de cada aluno.
Impossível por não se poder levar a sala de aula inteira e como a conhecemos dentro de um ecrã, mesmo para os mais familiarizados com este tipo de trabalho. O que foi feito com enorme esforço, com metodologia e dispositivos nem sempre adequados foi um plano de emergência. É verdade que muita gente pareceu deslumbrada e alguns mais prudentes, apesar de reconhecer o esforço, desde cedo referiram enormes limitações e riscos, sobretudo, para as crianças mais novas, menos autónomas e para alunos com necessidades especiais.
Impossível ainda porque os cantinhos dos alunos são muito diferentes, alguns nem sequer têm cantinhos. Dificuldades nos recursos digitais e no acesso à rede, literacia digital e global das famílias, idade, número de crianças em idade escolar em casa, pais em teletrabalho ou a trabalhar fora, famílias monoparentais, etc., são apenas algumas das variáveis associadas ao que será o “cantinho” de cada aluno.
Assim e sem estranheza, mas com enorme preocupação foi-se percebendo como a desigualdade se alimentava, que muitos alunos foram ficando mais distantes da escola ou completamente desligados, que muitos alunos com necessidades especiais ficaram em situação muito complicada. Muitas famílias, dividindo-se entre parentalidade, apoio escolar, logística familiar, teletrabalho ou trabalho no exterior e dificuldades económicas, também nem sempre conseguem a serenidade e disponibilidade necessárias.
O ano termina sem que todos os recursos digitais necessários tivessem chegado a todos os alunos apesar do esforço de escolas, autarquias e outras entidades.
O trabalho realizado foi de uma extrema latitude em metodologias, dispositivos e plataformas utilizadas, actividades e gestão curricular e horários, literacia docente em matéria de e-learning (muito do que foi feito como E@Distância está longe de e-learning) entre outros aspectos.
Estamos agora na fase de avaliação e, naturalmente, a tarefa é difícil na metodologia, conteúdos, objecto, etc., como qui tenho referido e tem sido objecto de muitas referências.
Considerando tudo isto, é crítico que o próximo ano seja mesmo um Novo ano lectivo. Assim como este ano não foi atípico também o próximo o será, mas é urgente a definição tanto quanto possível do que será, não podemos correr o risco de termos como em 2019/2010 sobretudo abordagens reactivas, precisamos de abordagens proactivas.
Ainda não sabemos se será possível como toda a gente deseja o regresso às aulas presenciais ou um modelo misto.
Em qualquer das situações precisamos de definir rapidamente as orientações e os recursos necessários ao primeiro grande grupo de objectivos, reconstruir a relação com a escola perdida por muitos alunos, consolidar aprendizagens, promover aprendizagens e desenvolvimento não realizado.
Precisamos de definir um quadro flexível e não burocratizado de disponibilização de recursos necessários, docentes e técnicos para dispositivos de apoio, tutoria, trabalho com grupos mais pequenos ou de dimensão flexibilizada de acordo com as especificidades de cada contexto/comunidade e a avaliação de docentes e escolas.
Precisamos de definir orientações em matéria de carga horária para alunos e professores, metodologias e formação adequada no caso de alguma parte do trabalho continuar de forma não presencial. A experiência deste terceiro período mostra o quento está por fazer apesar de boas práticas que, como sempre, também acontecem e merecem reconhecimento.
Não me parece que, como já vi, referências a custos incomportáveis dos dispositivos de apoio sejam correctas. Primeiro, porque os custos não sobem de forma aritmética. Não se trata de “dividir as turmas em duas e precisarmos do dobro dos professores”, é disparate, desculpem. Trata-se de, com base nas avaliações e com orientações claras, regulação e autonomia assumirmos o grau de diferenciação nas respostas que precisamos de garantir para promover educação tão bem-sucedida quanto possível para todos os alunos.
Em segundo lugar por que a educação de qualidade e conforme as necessidades é matéria de direitos e é o único caminho que nos leva a um futuro melhor. Acresce que as políticas públicas traduzem uma visão de sociedade e prioridades que a história julgará.
Este ano lectivo terá sido o ano lectivo mais estranho de quem o viveu. O próximo ano lectivo poderá ser o mais importante para quem viveu este.


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