A 25 de Abril, para as pessoas da minha geração, é
impossível não falar do 25 de Abril, daquele 25 de Abril, do nosso 25 de Abril,
do meu 25 de Abril. Este ano o passar desta data foi envolto em uma polémica
que, lamento, não faz sentido.
Nos tempos excepcionais que estamos a atravessar o Parlamento
tem estado a funcionar ainda que em circunstâncias também elas excepcionais. Seria,
aliás, inadmissível que assim não fosse. O Parlamento é o núcleo de uma
sociedade democrática, não pode estar “confinado”. Assim sendo, e num dia em que
se comemora a recuperação da democracia representativa o Parlamento deve
cumprir a sua função, funcionar.
É verdade que desde aquele 25 de Abril sempre tivemos os que
se percebem como donos do “25 de Abril” e produzem afirmações que o desvirtuam
e os que entendem que não há muito para comemorar. A polémica tem ver com isto,
não com questões sanitárias. Aliás, por falar em questões sanitárias julgo de
sublinhar que o que de extraordinário ainda que com sobressaltos fruto das
políticas públicas e da natureza e volume dos problemas tem sido feito pelo
Serviço Nacional de Saúde acontece porque o SNS existe e existe na sequência do
25 de Abril. O resto é a espuma dos dias.
Voltemos ao que hoje recordamos e não queremos esquecer.
Há algum tempo, numa conversa informal com alunos, jovens,
do ensino superior, alguns questionavam-me sobre como era a vida académica, e
não só, antes desse 25 de Abril. Ao procurar dar-lhes um retrato desse tempo e
do que era a nossa vivência diária, deu para perceber alguma perplexidade nos
jovens não tanto pelas referências às grandes questões, mas, sobretudo, pelas
pequenas histórias do dia-a-dia.
Histórias do clima de desconfiança e suspeição sobre a
pessoa do lado que nos prendia dentro da gente; do livro que se não tinha; do
filme que se não podia ver; do disco que se contrabandeava; do teatro que não
se podia fazer; da conversa que se não podia ter; do professor de quem não se
podia discordar; da ideia que se não podia discutir; da repressão visível e,
mais pesada, invisível; do beijo que não se podia dar em público; do livro
único para formar um pensamento único; de tantas outras histórias com que se
tecia um mundo pequeno que nos queria pequenos.
Aquela conversa foi muito estimulante. É certo que me deixou
a doce amargura da idade mas, mais interessante, fiquei convencido que aquele
pessoal não permitirá nunca que se possa voltar a ter histórias daquelas para
contar a gente mais nova.
Acho até que esta gente não vai mesmo estudar para ser
escrava, esta gente vai, apesar de por vezes se sentir à rasca, chegar ao
futuro.
Gosto de acreditar nisto. Também por causa daquele 25 de
Abril.
E porque é mais fácil e mais bonito, "Traz outro amigo
também". Agora que estamos confinados e a mergulhar em tempos económicos e socialmente muito duros mais do que nunca precisamos de "outro amigo" e de "outro amigo" e de ...
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