A forma como as pessoas lidam com as situações positivas ou negativas
é diferente, como é óbvio.
Também esta situação de “ficar em casa” a que muitos de nós
estamos sujeitos é experienciada de formas bem diferentes.
No meu caso existem várias implicações que me incomodam e com
as quais não lido com facilidade e que também creio incomodarem muitas outras pessoas.
A mais evidente, já aqui o tenho expressado, é a necessidade
forte da proximidade com as pessoas, tanto no contexto familiar e pessoal como no plano profissional. Ter as
pessoas da família ou os amigos “só” do outro lado da "linha" ou do ecrã é curto,
muito curto. Ter os colegas, os alunos e alunas, do outro lado do ecrã, não é
de todo a mesma coisa que ver gente inteira na sala de aula, no gabinete, num
qualquer espaço de trabalho da escola ou no ... bar e corredores. Tudo isto me faz falta. Até já sinto saudades de passar a Ponte 25 de Abril de mota no meio de um engarrafamento habitual em todas as manhãs AC, Antes da Covid-19.
Uma outra grande fonte de desconforto é a falta de “campo”,
é a rua, é o caminhar com tempo agora que já não corro. Esta zona onde nasci e moro
que agora é urbana, quando eu era miúdo era “campo”, brincávamos na rua, sempre
cresci com muito tempo fora de casa.
Por outro lado, o "ficar em casa" tem-me mantido afastado do Alentejo. Que saudades do Monte, que saudades da lida que nunca tem fim,
que saudades das lérias com o Mestre Zé Marrafa e das idas á vila Com a chuva que felizmente tem
caído deve estar bonito.
Não é, pois, muito tranquila a minha experiência com este
necessário confinamento.
A este propósito e porque falei do Mestre Zé lembro-me de
uma conversa, lérias, de há algum tempo.
A conversa foi parar ao viver em sítios diferentes, caso
dele que vive na vila e do meu que vivo na cidade grande. Contou que que vai às
vezes a Évora, mas não gosta de ficar por lá muito tempo.
Como ele diz, “é bem verdade, galinha do campo não quer
capoeira”. Ele não se imagina a viver assim numa terra grande, mora na vila,
vem ao monte, tem sempre alguma coisa que fazer, sobretudo plantar alguma coisa
na horta que é o que mais gosta. Achei muita graça à descrição do Mestre
Marrafa sobre o seu incómodo, as suas fezes, como se diz no Alentejo, com a
cidade grande, “sei lá, o corpo não se encontra”, “parece que estou perdido”,
“parece assim uma prisão” e outras considerações que não fixei.
Conhecendo o Mestre Marrafa, dá para entender este discurso.
Os olhos pequeninos brilham quando fala do que vai fazer, dos criadores, das
enxertias, dos bogangos, dos frades, da necessidade de fabricar a terra para o
“çabolo”, do pimentão e dos "pipinos", dos rábanos enormes que lá
temos, e das “alfaças”, de uma busca por espargos ou por carrasquinhas e
catacuzes que com feijão compõem um prato extraordinário, das couves que apesar
de dividirmos as folhas com as codornizes sabem bem mas bem, da desmoita dos
pés-de-burro das oliveiras e da sua limpeza que nos garante lenha para o
inverno para além da azeitona e do azeite, etc., etc.
Às vezes, penso como sou um privilegiado com um campo, o
Alentejo, para ir quando saio da cidade grande. Nunca como agora assim me
senti.
Pena é que muita gente, sobretudo os miúdos, já não saiba o
que é “o campo”, e, por isso, não podem, por vezes não querem e outras vezes
não sabem, sair da capoeira em que vivem.
Sorte a dos meus netos que quando o bicho se for embora
hão-de voltar ao Monte, a brincar com as Titas e a fazerem experiência com a
água e… sorte a minha que hei-de lá estar com eles.
É Mestre Zé, galinha do campo não quer capoeira.
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