Ontem o calendário sublinhava o Dia Nacional de
Sensibilização ao Cyberbullying. Em tempos de isolamento o mundo digital está
ainda mais próximo de nós, em particular dos mais novos, o que pode implicar
riscos acrescidos no que se refere ao cyberbullying. Aliás, esta questão era
colocada no texto “Cyberbullying em tempos de pandemia” assinado por Sónia Seixas,
Luís Fernandes e Tito de Morais no Público. Algumas notas.
Diferentes estudos sugerem que o número de adolescentes e
jovens que já terão sido vítimas desta forma de bullying será superior aa 10%
Contrariamente ao bullying presencial o cyberbullying
não tem “intervalos”, normalmente os fins-de-semana pois ocorrem
predominantemente nos espaços escolares. Não sendo presencial o(s) agressor(es)
não tem, ou não têm, uma percepção clara do nível de sofrimento infringido o
que em algumas circunstâncias pode funcionar como “travão” e inibir o
comportamento agressivo.
Também por estas razões é fundamental uma atitude ajustada
face a este tipo de comportamentos.
Em termos globais, sabe-se também que a ocorrência de
situações de bullying é bem superior ao número de casos que são relatados. Uma
das características do fenómeno, nas suas diferentes formas, incluindo o
emergente cyberbullying, é justamente o medo e a ameaça de represálias a
vítimas e assistentes que, evidentemente, inibem a queixa pelo que ainda mais
se justifica a atenção proactiva e preventiva de adultos, pais, professores, técnicos ou
funcionários.
Este cenário determinaria, só por si, um empenhado
investimento em recursos e dispositivos que procurassem minimizar o volume de
incidências, algumas das quais de gravidade severa.
Recordo um estudo com uma escala significativa divulgado na
Lancet Psychiatry evidenciando que o bullying pode assumir impactos negativos
mais significativos no bem-estar psicológico dos adolescentes aos 18 anos que
maus-tratos de adultos sofridos na infância. Mostra ainda que crianças
maltratadas na infância são vítimas potenciais de bullying em adolescentes.
Neste contexto e dada a gravidade e frequência com que
ocorrem estes episódios é imprescindível que lhes dediquemos atenção ajustada,
nem sobrevalorizando, nem tudo é bullying, o que promove insegurança e
ansiedade, nem desvalorizando, o que pode negligenciar riscos e sofrimento.
Neste universo importa considerar dois eixos fundamentais de
intervenção por demais conhecidos, a prevenção e a intervenção depois dos
problemas ocorrerem. Esta intervenção pode, por sua vez e de forma simplista,
assumir uma componente mais de apoio e correcção ou repressão e punição, sendo
que podem coexistir. Com alguma demagogia e ligeireza a propósito do bullying,
as vozes a clamar por castigo têm do meu ponto de vista falado mais alto que as
vozes que reclamam por dispositivos de prevenção, intervenção e apoio para além
da óbvia punição, quando for caso disso.
Esta utilização mostra a necessidade de dispositivos de
apoio e orientação absolutamente fundamentais para que pais, professores e
alunos possam obter informação e apoio. Entretanto estão criados vários portais
e disponíveis alguns canais de denúncia e procura de orientação e suporte
dirigido a pais, professores, técnicos e, naturalmente, alunos.
Lamentavelmente, parte importante das entidades e
iniciativas de apoio e suporte é exterior às escolas e ilustra a falta de
resposta estruturada e global do sistema educativo, para além das
insuficiências de recursos e na formação de técnicos e de professores sobre esta complexa
questão, desde logo para o seu reconhecimento e identificação.
A existência de dispositivos de apoio sediados nas escolas,
com recursos qualificados e suficientes, designadamente no que respeita aos
assistentes operacionais com funções de supervisão dos espaços escolares, é uma tarefa urgente.
Do meu ponto de vista, o argumento custos não é aceitável
porque as consequências de não mudar são incomparavelmente mais caras. Depois
das ocorrências torna-se sempre mais fácil dizer qualquer coisa, mas é
necessário. Muitas crianças e adolescentes evidenciam no seu dia-a-dia sinais
de mal-estar a que, por vezes, não damos atenção, seja em casa, ou na escola,
espaço onde passam um tempo enorme ainda que nestes tempos excepcionais o cenário esteja do avesso.
Estes sinais não podem, não devem, ser ignorados ou
desvalorizados. O resultado pode ser trágico.
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