A propósito da divulgação de um recente trabalho da Pordata,
“Retrato de Portugal", centrado em questões no âmbito da demografia, Vanessa
Cunha, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e
coordenadora do Observatório das Famílias e das Políticas para as Famílias,
afirma em entrevista ao DN, “Somos dos países onde se passa menos horas com os
filhos diariamente”.
De facto, o tempo que de uma forma geral as famílias têm
disponível para os filhos parece não ser o desejável quer na perpectiva dos próprios pais, quer considerando a necessidade de contextos de parentalidade mais positivos. Muitas vezes aqui tenho
abordado esta questão, tal como é recorrentemente objecto de reflexão em
múltiplas conversas que estabeleço com grupos de pais.
Quando converso sobre esta questão, invariavelmente solicito
aos pais presentes que quem entenda que “dá” os filhos o tempo que gostaria de
dar levante o braço e raramente alguém o faz. Esta sensação de “falta” terão várias implicações na relação entre pais e filhos. A menor disponibilidade e segurança no estabelecimento de regras e limites par as crianças poderá ser uma destas implicações para alguns pais.
Alguns trabalhos têm sugerido que os pais atribuem
fundamentalmente as dificuldades de tempo às condicionantes de natureza profissional e aos horários
escolares.
Os problemas de tempo dos pais decorrentes dos
constrangimentos profissionais criam dificuldades aos pais na guarda das
crianças fora do horário escolar e a solução tem sido a prolongar a estadia dos
filhos na escola, já é Escola Tempo Inteiro. Para além desta estadia na escola
que pode chegar às 11 horas diária verifica-se também, para quem pode, o
recurso às actividades extracurriculares que com uma oferta altamente
diversificada são também uma forma de “ocupar” as crianças.
Esta situação não é uma fatalidade, é necessário encontrar outras
soluções, aliás já conhecidas, e promover ajustamentos na organização do
trabalho, diversificação de horários, "teletrabalho", etc., de modo a
criar outras disponibilidades nas famílias.
No entanto, este cenário não determina que o pouco tempo
disponível seja usado para colocar as crianças em frente de um qualquer ecrã ou
para as “arrastar” pelos centros comerciais. Nesta matéria seria desejável que
com os pais considerassem outras hipóteses que não são mais onerosas nem mais trabalhosas,
mas que alargariam o leque de actividades.
Finalmente, acharia interessante que se ouvissem os miúdos
relativamente ao seu entendimento sobre as brincadeiras que realizam com os
pais, as que gostariam de realizar, o que tempo em que o fazem e o tempo em que
gostariam de fazer.
Talvez as respostas nos ajudassem a perceber o que pode ser
mudado. Podemos e devemos fazer melhor.
Defendo há muito a pertinência de, em sede de Concertação
Social, avançar com propostas de alteração legislativa, sobretudo, na
organização horária do trabalho que poderia, essa sim, ter impacto na
disponibilidade dos pais. Não me parece impossível que em muitas profissões os
tempos de trabalho pudessem ter outra distribuição permitindo mais tempo com os
filhos e menos tempo destes na escola.
Ainda a propósito da dificuldade de conciliar trabalho e
vida pessoal deixo uma estória que já aqui deixei.
Bom dia, venho
apresentar uma queixa.
Com certeza, contra
quem?
Contra muita gente.
Será, portanto, contra
incertos. E apresenta queixa porquê?
Por roubo, roubaram-me
tempo.
Muito bem, então
roubaram-lhe tempo. Por favor, pode explicar um pouco melhor para eu poder
registar a situação.
Eu já não tinha muito
tempo porque nunca fui uma pessoa muito rica de tempo, mas o pouco que tinha
roubaram-me. Fiquei sem tempo para estar com os meus filhos e brincar com eles.
Este tempo faz-me muita falta, os miúdos andam tristes porque desde que me
roubaram o tempo não consigo mesmo. Já não tenho tempo para descansar ou ler
qualquer coisa como gostava de fazer. Não tenho tempo descansado para a minha
mulher que também precisava do tempo que eu tinha e que partilhava com ela. No
meu trabalho não tenho tempo para parar um minuto sem que alguém venho logo
chamar a atenção. Fiquei sem o tempo que tinha para beber um copo com os meus
amigos e trocar umas lérias que serviam para aliviar das coisas da vida.
Eu percebo o seu
problema, mas como deve calcular não tenho tempo para queixas como as que
apresenta.
Não tem tempo? Não me
diga que também lhe roubaram o tempo. Até às autoridades, é demais.
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