De forma que considero discreta para o significado que
contém, foi noticiado que 85 deputados PSD e do CDS requereram ao Tribunal Constitucional
a fiscalização sucessiva das normas que enquadram a educação para a identidade
e expressão de género no ensino público e privado.
Ao abrigo de algo indefinido e abrigo para preconceito e intolerância
a que chamam “ideologia de género” contestam que se defina que o Estado possa “garantir
a adoção de medidas no sistema educativo, em todos os níveis de ensino e ciclos
de estudo, que promovam o exercício do direito à autodeterminação da identidade
de género e expressão de género e do direito à proteção das características sexuais
das pessoas”.
Como me parece claro, os senhores deputados não conhecem o
mundo real que existe para lá do ecrã que interpõem entre os seus valores,
preconceitos e crenças e a realidade e o sofrimento de muita gente.
A este propósito, chamava a atenção dos senhores deputados
subscritores da enormidade de defender a diversidade e proteger direitos, para
uma matéria em que certamente nunca ouviram falar, o bullying homofóbico em
contexto escolar.
Um trabalho recente do CIS-IUL - Centro de Investigação e de
Intervenção Social do Instituto Universitário de Lisboa mostrou que as vítimas
de bullying relacionado com a orientação
sexual, real ou percebida, têm menos hipóteses de ter ajuda por parte dos
colegas que outras vítimas de bullying. Estando presente a questão óbvia do
preconceito os colegas receiam efeitos de contágio, ou seja, serem também
considerados homossexuais. A questão da ajuda é importante pois a generalidade
dos estudos aponta para que em mais de 80% das situações de bullying existam
assistentes que podem ter um papel importante na contenção das agressões.
Aliás, é hoje aceite que uma parte significativa da intervenção e prevenção do
bullying deve envolver os assistentes.
Um trabalho divulgado em 2018 pela Associação ILGA Portugal
— Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo divulgou o “Estudo
Nacional Sobre o Ambiente Escolar — Jovens LGBTI+ 2016/2017” realizado pelo
ISCTE e pela U. do Porto envolvendo perto de 700 jovens com idades
compreendidas entre os 14 e os 20 anos também evidenciou dados pertinentes.
Mais de 62% dos inquiridos reporta comentários negativos
feitos de pessoal docente e não docente de natureza ocasional e 28.5% refere
regularidade nesses comentários.
Os comentários negativos são sobretudo produzidos por
colegas, 75.1%.
Sendo a maioria das agressões de natureza verbal também se
relatam agressões físicas, 7.7%.
De registar ainda que 73,6% refere ter sentido alguma forma
de exclusão intencional por parte dos colegas e quase 65% foi alvo de rumores
ou mentiras sobre si na escola.
É ainda relevante que apenas um em cada dez inquiridos
denunciou regularmente a situação de vitimização e constata-se que em escolas
onde se desenvolve trabalho sobre estas questões a situação é mais positiva.
Todos estes dados estão em linha com a realidade, são
frequentes os discursos ou comportamentos discriminatórios face à orientação
sexual ou identidade de género em contexto escolar.
Em 2017 a Agência para os Direitos Fundamentais da União
Europeia referia que 94% dos jovens LGBT ouvem ou testemunham comentários e
comportamentos negativos em contexto escolar em Portugal". Já se referia
também que a apresentação de queixa por parte das vítimas é rara.
Com demasiada frequência os problemas das minorias são eles
próprios percebidos como problemas minoritários, menores ou mesmo como não
problemas.
Em 2014 foi divulgado um estudo referindo as dificuldades
das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em lidar com crianças e jovens
com orientações sexuais diferentes, um problema que raramente é abordado mas
que é fonte de sofrimento para muitas crianças, adolescentes famílias.
Um Relatório da Rede Ex-Aequo referia que no ano de 2012 se
registaram 37 denúncias de homofobia e transfobia, sendo que 42 % da juventude
lésbica, gay ou homossexual afirmou ter sido vítima de bullying homofóbico, 67%
dos jovens declarou tê-lo presenciado e 85% afirmou já ter ouvido comentários
homofóbicos na escola que frequenta. Em muitas situações desta natureza emergem
quadros “baixa auto-estima, isolamento, depressões e ideação e tentativas de
suicídio”, contribuindo ainda para o insucesso e para o abandono escolar de
muitos jovens. O mesmo relatório referia ainda episódios recorrentes de
bullying homofóbico em contextos de praxes académicas, situação que já aqui
também comentei.
Recordo que em Novembro de 2011, dados da UNESCO referiam
que cerca de 70 % de alunos homossexuais afirma ser vítima de bullying.
De facto, parece evidente o risco de sofrimento por parte
destes adolescentes e jovens.
Sabemos também que tanto como intervir na remediação e apoio
é fundamental entender que o público mais jovem terá de ser sempre ser um alvo
privilegiado, é de "pequenino que se torce o pepino".
Esperamos que face à dimensão dos incidentes de bullying
dirigidos a um alvo em particular bem como outros comportamentos da
mesma natureza, sejam uma preocupação não ideológica mas de direitos e de
natureza civilizacional no contexto das políticas e processos educativos.
Senhores deputados, face a este cenário ainda vos é difícil perceber
a importância da “adoção de medidas no sistema educativo, em todos os níveis de
ensino e ciclos de estudo, que promovam o exercício do direito à
autodeterminação da identidade de género e expressão de género e do direito à
proteção das características sexuais das pessoas”?
O problema não está na “ideologia de género”, seja lá isso o
que for, está na cegueira ideológica que não deixa entender a realidade e as
pessoas, sobretudo as pessoas que sofrem.
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