Peço desculpa de neste
período de férias e de relaxamento insistir em algumas matérias que são
perturbadoras e inquietastes. No DN encontra-se uma peça sobre uma questão que,
normalmente apenas é referida na comunicação social na altura em que é
divulgado o Relatório CASA, a situação de crianças que passam pela interrupção do seu período de pré-adopção familiar, uma forma mais “simpática" de afirmar que são
devolvidas pelas famílias adoptantes às instituições que as acolhem.
Embora ainda sem dos dados de
2018 que o DN informa serem 14, nos últimos três anos foram devolvidas 53
crianças.
Estas crianças, com idades
diversas, passam por situações verdadeiramente devastadoras como a peça bem
evidencia.
Os motivos para esta “devolução”
passam por situações que assim podem aconselhar, maus tratos da família
adoptante por exemplo, mas também por justificações como “não correspondem às expectativas”,
“'venderam-me gato por lebre” ou que atrapalham as rotinas com os animais de
estimação da família.
Também há algum tempo num
trabalho sobre o mesmo tema, o DN citava um caso em que uma criança foi
devolvida e trocada por outra porque não se adaptava ao cão da família. Outros
casos de devolução envolvem dificuldades de adaptação a outros elementos da
família ou a questões económicas.
Vejamos com mais atenção. Uma
criança que por qualquer razão não tem uma família, está numa instituição,
envolve-se num processo de adoção, entra numa família que entende passar a ser
a SUA família, deve sentir-se num caminho bonito. Passado algum tempo é
devolvida, provavelmente, sem perceber porquê e vive uma, certamente mais uma, devastadora
experiência de abandono e rejeição com efeitos que não podem deixar de ser
significativos. O trabalho do DN refere algumas situações perturbadoras.
Como é evidente, admito que em
circunstâncias excepcionais o processo possa ser interrompido mas, insisto, só
mesmo numa situação limite depois de esgotados os dispositivos de apoio às
famílias adoptantes.
A lei permite o período de
transição e um período de pré-adopção, uma espécie de contrato à experiência.
Há uns anos em conversa sobre esta questão com o então presidente da Comissão
Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, Juiz Armando Leandro, este
reconhecia que a devolução não tem de ser baseada em "critérios
necessariamente válidos".
Como também é referido os
serviços competentes têm-se esforçado para que estas situações se minimizem
quer através da adequação das famílias candidatas, quer nas orientações e
apoios para a optimização dos processos de adopção mas, algumas situações
continuarão certamente a acontecer.
Voltando ao tão apregoado
"superior interesse a criança", é difícil imaginar o que se passará
na cabeça de um miúdo que passa anos a construir uma ideia de família, a certa
altura entra numa família a que chama sua e de repente dizem-lhe que volta a
estar só, na instituição, porque ... não se dá bem com o cão ou não corresponde
às expectativas. Que sentirá a criança?
Porquê? Não presta? Não a querem?
...
Mas as crianças, Senhores?
Deixem-me ainda recordar uma
expressão que ouvi em tempos a Laborinho Lúcio num dos encontros que tenho tido
o privilégio de manter com ele.
Dizia Laborinho Lúcio que
"só as crianças adoptadas são felizes, felizmente a maioria das crianças
são adoptadas pelos seus pais”.
Na verdade, muitas crianças não
chegam a ser adoptadas pelos seus pais, crescem sós e abandonadas. No entanto,
é melhor criar uma oportunidade para que as crianças "desabrigadas"
possa ser adoptadas, possam ser felizes.
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